quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Parcimônia Frenética #1 - Na ponta da língua (Parte 1)

Esther era uma adolescente descolada de 17 anos, terminando seus estudos escolares e ansiosa pela vida de caloura na faculdade. Gostava de jaquetas largas e toucas, usava all-star e tinha uma argola no lado direito do nariz. Usava maquiagem pesada nos olhos e estava constantemente mascando chiclete. E, como a adolescente descolada que era, não gostava nem um pouco do seu "nome de velha", Esther. De fato, o nome vinha de sua bisavó. Então, para os amigos e chegados o seu nome era "Cherry", graças aos cabelos rosa-escuros.

Enfim, Cherry era uma adolescente bem comum. Não muito diferente de muitas outras adolescentes terminando seus anos de escola por aí. Mas Cherry era uma garota muito atenta, perceptiva. Sempre prestava atenção ao seu redor e nas pessoas próximas. E isso tinha lhe salvado de muitos problemas e situações embaraçosas até agora. Até agora.

Cherry se despediu do grupo de amigos na saída da escola. A maioria tinha carros e levavam uns aos outros de carona, mas Cherry morava a tão pouca distância da escola que achava ridículo não fazer o percurso caminhando. Não demorava mais do que 20 minutos, se ela não estivesse com pressa. Ajeitou a mochila no ombro, acenou com a mão livre para os últimos amigos que sumiam em direção ao estacionamento e começou sua breve caminhada.

As ruas suburbanas ao entardecer estavam relativamente vazias, como sempre. Pequenos grupos de pessoas aleatórias, algumas donas de casa fofocando e caminhando, alguns moradores passeando com seus cachorros na correia. A coisa só ficava mais complicada chegando ao centro do bairro, uma rua cheia de lojas e com o mercado local que acabava exigindo alguma manobra entre o fluxo constante de pessoas. Mas Cherry estava bem, era uma garota atenta. Nunca esbarrava em ninguém, nem pisavam em seus sapatos, chegara até a evitar que um transeunte desavisado andasse direto para o meio do tráfego.

Suas caminhadas para casa já estavam relativamente mecânicas àquela altura do campeonato. Então o seu percurso era quase que automático. A não ser que ocorresse algum evento estranho que chamasse sua atenção e a tirasse do seu pensamento linear e movimentos pré-programados. E foi isso que aconteceu naquela tarde.

Assim que atravessou a rua principal, notou na esquina uma senhora que segurava bolsas plásticas do mercado. A senhora parecia estar ali esperando pacientemente por algo ou alguém. Mas Cherry notou que ela lançava olhares furtivos em sua direção constantemente. Passou então a encarar a senhora, talvez fosse alguém que a conhecesse e ela não tinha percebido. A senhora, ao notar que estava sendo observada, começou a encarar de volta. Cherry achou a expressão da senhora estranho, sentiu uma sensação ruim e começou a desviar o olhar. Mas antes que pudesse fazê-lo, pegou a senhora num ato estranho. Parecia um sinal. A senhora pôs a ponta da língua levemente para fora e a tocou com o dedo indicador direito.

E foi isso. A senhora pareceu então ter visto quem ela esperava e se pôs a andar com um sorriso e um aceno para a direção oposta a de Cherry. A garota a perdeu de vista logo em seguida. Mas aquele gesto estranho não saiu de sua cabeça. Tinha certeza que a senhora a encarava, então o sinal parecia dirigido para ela. Mas o que queria dizer?

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