Pra começar bem o ensaio. Existem duas grandes idiotices sobre a pós-modernidade
- Dizer que a pós-modernidade é sobre a negação da verdade.
- Se dizer pós-moderne e alegar que não existe verdade.
Eu não sou formado em filosofia, só tenho muita curiosidade e escuto um monte de gente falando sobre o tema, enquanto tento formar a minha própria linha de raciocínio. Tão importante quanto escutar a nova geração de youtubers filósofos, é talvez ler alguns livrinhos, e nas minhas pesquisas, o autor que dá uma síntese sobre a pós-modernidade é ninguém menos que Jean-François Lyotard.
Eu acho muito engraçado que as pessoas pra citarem filósofes pós-modernes vão citar sempre os homens que estão quase na esteira do iluminismo e da modernidade. Nietzsche e Michel Foucault, são figurinhas carimbadíssimas, e geralmente eles são muito citados por comunistas como "inimigos". Até onde eu entendo isso é até esperado porque um filósofo sempre tá tentando refutar o que o cara de trás tava tentando dizer. Isso obviamente não significa que essas pessoas não tenham viéses que quase sempre se distanciam das idéias de Karl Marx.
Além do mais, até onde eu entendo Karl Marx não foi filósofo nenhum. Se você colocar todo e qualquer estudioso como filósofo, aí Albert Einstein também é (e talvez o seja). A pessoa que seria o filósofo que dá a base para que Carlinhos faça seu trabalho é Hegel com a sua questão da dialética. Que é uma coisa que deveria até ser mais intuitiva. A gente entende as coisas por comparação e muitas vezes um conceito só existe em contraposição a outro: A gente sabe que uma coisa é rápida quando tem outra devagar pra comparar. Ou seja, uma coisa é mais rápida que outra, ou mais devagar que outra.
Eu aí é importante dizer que não é que as coisas sejam relativas umas as outras necessariamente, mas nós entendemos as coisas criando relações entre elas. A gente sabe que uma maçã e uma uva são coisas diferentes porque a gente é capaz de olhar pra elas e observar suas características físicas. Cor, tamanho, tenacidade, sabor, etc. etc. etc. Dá pra dizer que o Robertinho é mais forte que o Cleiton porque o Robertinho pega 50kg no Supino e o Cleiton só pega 30kg.
Ou seja, as coisas podem não ser relativas, mas a forma com a qual entendemos é. Até mesmo espectros políticos. Se o fascismo é a extrema-direita, então qualquer outra coisa vai ser esquerda pra essas pessoas. Se o cara entende fascismo como uma coisa de esquerda, então talvez o cara não compreenda bem como os conceitos de direita e esquerda são utilizados na política. A parte difícil é compreender que essa relatividade não é dicotômica. No caso do espectro político até dá pra ver com alguma facilidade, mas em alguns outros casos, as pessoas criam dogmas, que elas mesmo quebram, mas ainda continuam falando de forma dogmática. Quer ver um exemplo disso? A questões de luta de classes desenvolvidas no raciocínio de Carlinhos Marcos.
Na maioria dos casos, a gente vai ver pessoas falando que existem apenas duas classes, a classe trabalhadora e a classe dominante e que elas estão em constante luta, mas nós vamos ver as mesmas pessoas falando de classes e mais classes de pessoas "dificultando" a compreensão do tema.
Só que não é uma dificultação proposital. É apenas um refino de análise. Entender as coisas apenas como classe dominante e classe trabalhadora é muito pobre. Na verdade, esse debate isola a classe dominante e coloca todo o resto no mesmo balaio, como se não existissem contradições internas e conflitos entre essas pessoas que vão dificultar a compreensão do que acontece na sociedade. Em outras palavras, é possível que se compreenda uma espécie de hierarquia social, mas ela é muito melhor compreendida como espectro do que definições relativamente maleáveis.
Os conflitos entre as nações podem ser majoritariamente compreendidos através de poder econômico, tal como a abertura dos portos japoneses, ou a colonização da América. Só que é possível extrapolar, dadas as devidas proporções, análise dos conflitos internos de uma sociedade através de parâmetros similares. É visível que uma parcela da sociedade que possui um poder maior de consumo desdenha de uma parcela que possui um poder menor, ou tenta oprimir essa parcela. Essa opressão muitas vezes está ligada a um componente econômico, como por exemplo ume médique que atende mal a sues pacientes porque precisa produzir consultas para receber dinheiro de um plano de saúde. Isso não significa que essa pessoa não tem algum senso de superioridade por ter um poder de consumo maior e consequentemente níveis de erudição e consciências sociais maiores.
Eu não li Foucault pra saber se isso se enquadra na categoria de micropoder e que portanto isso já foi falado, mas pelo que eu li e compreendi da pós-modernidade, o modernismo não tinha como evitá-la pois - apesar da noção de ruptura sustentada por alguns filósofos, porque no final é sempre o da frente tentando criticar o de trás - a análise perspectivista aparece como complexificação do estudo dos fenômenos, especialmente os fenômenos sociais que possuem componentes e variáveis difíceis de se compreender.
Se você não percebeu ainda, a condição pós-moderna é um livro efetivamente sobre a filosofia da ciência e do saber. Sobre a perda da confiança da universidade como instituição educacional, sobre como a ciência se desenvolve pautada pela política, ou em outras palavras, pela classe dominante de uma sociedade, e sobre como a ciência se tornou mercadoria dentro do capitalismo. De fato, se a ciência e o saber se tornam produtos para serem vendidos, similarmente a artes, também se tornam uma forma de influência sobre outras culturas, e também podem, tal como mercadorias, podem ser controladas.
O negócio do saber se torna uma coisa bizonha porque, tanto cientistas que escrevem os artigos, quanto leitores, são tratados como clientes. As revistas científicas cobram para serem lidas, e cobram para publicar os artigos. De quebra, elas são tão poderosas, que elas são capazes de validar na sociedade quais são es cientistas que realmente valem a pena de ser lidos, e quais não são, ao invés de existir uma sociedade de leitores que realmente fazem a crítica a ciência produzida, da mesma forma que críticos de filme, que os consomem, fazem a crítica a essas obras.
E naturalmente, veremos também a questão da perspectivização da ciência que não passa do movimento natural do modernismo. Não é possível compreender completamente as coisas se não formos capazes de enxergá-las através de todas as perspectivas relevantes; não é sobre a morte da verdade, e sim sobre compreender o que está acontecendo de fato através de análises mais aprofundadas combinadas. Análises combinadas através de várias perspectivas, porque estudar um objeto sempre pela mesma perspectiva aliena todo o conhecimento do mesmo objeto por outras posições.
Então, se a modernidade procurava estudar as coisas até compreendê-las em sua totalidade, isso simplesmente não é possível se você não estudá-las de muitos ângulos e perspectivas diferentes. A condição pós-moderna é inevitável porque a mudança da linguagem e sua especialização para o desenvolvimento científico faz com que os cientistas se distanciem da sociedade. Então acaba sendo mais difícil fazer com que o conhecimento científico penetre a sociedade que vai rejeitar argumentos em linguagens ininteligíveis e as pessoas passam a acreditar naquelas que estão mais próximas delas. Então começa uma disputa pelo saber na sociedade onde cientistas começam a se tornar divulgadores científicos justamente para difundir o conhecimento de volta para a sociedade.
Mas tem um problema. O professor pode até tentar ensinar, mas se o aluno não quiser aprender, a coisa não entra. A grande questão da condição pós-moderna então é, como evitar que a irracionalidade ganhe da ciência na disputa pelo saber, porque, no final das contas, é sabido que há quem ganhe poder matendo as pessoas em estado de anti-científico e alieando. Quem nunca se perguntou como trazer uma pessoa fanatizada de volta para a realidade?
Ou, em outras palavras, como derrubar a pós-verdade?
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