Domingo, 03/07/2016, 9:00. Flambarda acordava sentindo ainda as dores das cólicas. Os últimos dias foram tão intensos que ela mal teve a oportunidade de se deixar sentir as dores. Agora elas pareciam voltar com tudo, mas felizmente era final de semana e sua mãe ainda estava em casa. A jovem não hesitou em chamá-la.
- Manheeeeeeeeeeeeeee!
- Oi Filhaaaaaaaaaaaa! - Ela gritou de outro ponto da casa.
- Me traz água e um Buscopan por favooooooooooooor.
Demorou alguns minutos, Jéssica provavelmente estava lavando louça ou fazendo qualquer outra tarefa doméstica. Ela entrou trazendo o copo de água em uma mão e o comprimido na outra. Esperou sua filha se levantar minimamente, para que pudesse consumir o remédio.
- Vou trazer um café pra você.
- Não! Não é possível que uma cólica venha a me derrubar.
- Filha. É cólica. Derruba qualquer um.
- Porra, então aquelas mulher que não tem cólica tem o que? Magia?
- Eu também sempre quis saber.
- Eu tenho essa luva aqui do caralho e mesmo assim continuo sentindo dor! Porra!
- Isso é uma luva, não uma injeção de morfina.
- Você já viu o que essa merda faz! Não vem com essa.
- Eu só vi você queimando as coisas e tirando um machado do cu. Fora isso, mais nada.
- Eu soquei a cara de um filho da puta ontem.
- Eu não tava lá pra ver.
- Caralho, da próxima vez eu vou pedir pra Sofia filmar.
- Descansa. Apesar de saber que você não vai se aguentar.
Sua mãe estava certa. Ela não queria descansar apesar da dor. Ela tinha um monte de pergunta pra responder e que talvez não fosse respondida; precisa aprender a se defender; precisa aprener a manipular as energias; e principalmente aprender a se meter em menos confusão, o que ela não sabia se era possível, mas precisava urgentemente tentar. Além disso, tinha que saber como estão suas amigas, e apesar de todos os pesares, ela precisava saber como está Rodney por causa da Bibi. Naturalmente seu primeiro instinto foi ligar para a amiga, mesmo que ainda estivesse deitada.
- Flambunduda? - Bibi atendeu
- Oi Bibi. Tudo bem?
- Comigo sim. Com o Rodney, nem tanto.
- Eu ia te perguntar se você foi visitá-lo.
- Eu fui sim! Ele tá ali naquele hospital de botafogo na General Severiano.
- Faz sentido, se ele apanhou em Botafogo.
- Eu falei pra ele que você deu porrada naquele babaca e ele não acreditou.
- Otário é ele.
- Flam, desculpa, mas acho que se não fosse essa luva, você tinha apanhado feio.
- Se não fosse essa luva não ia ter um maluco atrás de mim.
- Ok, justo.
- E essa porra nem segura cólica.
- Mas você nem parece com cólica.
- É porque eu acabei de tomar um Buscopan.
- Ah! Mas que porra! Essa luva não segura nem um pouquinho não?
- Eu aguento um socão, mas não aguento cólica.
- Que merda.
- Bom, você tá bem, Rodney tá vivo, acho que posso sofrer em paz. - Nesse momento, Jéssica entrou no quarto, deixou a xícara de café na mesinha e saiu.
- E você vai conseguir?
- Acho que não.
- Só avisa pra gente a merda que você vai fazer, tá?
- Tá. Beijo.
- Beijunda.
Flambarda pegou o café quentinho e sentou na cama. Ela começou bebericando em pequenos goles pra evitar queimar a língua mas ela pouco sentia o calor. Eis que ela teve uma epifania - "Caralho! A luva!" - e bebeu o café basicamente em um gole, deixando o líquido ainda quente viajar pelo seu corpo. Não era uma sensação de queimação uma vez que seu corpo agora era resistente ao calor por causa do Luvetal, então o calor aliviava as cólicas por dentro e por um momento ela viu o paraíso em meio ao inferno. Como se finalmente tivesse descoberto um local de calmaria em meio as correntes de dor.
Eis que ela se levanta se sentindo bem mais disposta e vai até a cozinha comer uma tigela de cereal com leite, enquanto assiste o Esporte Espetacular com a mãe, que observou aquilo com bastante desconfiança uma vez que as cólicas tanto dela quanto da filha só acalmam um pouco com o Buscopan mas continuam pegando forte, mas não chegou a dizer nada, estava ocupada arrumando a cozinha. A detetive terminou o café da manhã e foi auxiliar sua mãe a arrumar a casa, começando pela bagunça de seu quarto. Ficou ali umas 2h arrumando tudo que precisava e resolveu ajudar sua mãe com o almoço na sequência.
- Você tá disposta hoje. Que que aconteceu?
- Descobri a pólvora, mãe.
- Que que você tá aprontando, Senhorita Flambarda?
- Nada! Só descobri uma forma de reduzir muito a dor!
- Flambarda...
- É só eu tomar o café quente.
- Cê tá maluca! Cê vai se queimar toda!
- Não mais! - E então Flambarda exibiu a luva.
- Puta merda!
- Éééééé. Pelo menos essa merda serve pra alguma coisa.
Como boa brasileira, Jéssica fez um clássico. Arroz, Feijão, Frango e Batata. Ainda tinha uma saladinha de alface e tomate que Flambarda fez tamanha a disposição adquirida depois de um copinho quente de café e o dia parecia estranhamente rotineiro, mas de uma forma diferente, como se ela pudesse finalmente escolher a rotina e a constância que outrora havia em sua vida e finalmente pudesse dar valor a isso, ou como se talvez não houvesse mais rotina e ela pudesse compreender o valor que essas coisas tem quando ela se dispõe a fazer de boa vontade.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas. Flambarda recebe uma ligação de um número desconhecido. Imaginando ser spam, ela desliga. Até receber uma mensagem no whatsapp.
- Flambarda, aqui é o Shou.
- Que Shou?
- Seu colega de faculdade!
- Porra... - Flambarda tentava mas não conseguia associar o nome a imagem. - Shou...
- O Japa!
- Aaaaaaaaah. - Subitamente uma paranoia de detetive lhe acomete. - Ei ei ei. Como assim? Teu cu que tu é o Japa. O Japa não sabe meu número.
- Esqueceu que eu sou hacker?
- Foda-se! Eu não dou meu número por aí assim!
- Sério, Flambarda?
O celular parou de apitar notificação por um tempo, até que chegou uma foto. Uma foto curiosa, porque era o Japa apontando pra Fernanda que tava um pouco atrás dele fazendo uma pose atrás de uma mesa, sentada em um quase sofá. O ambiente também não era estranho, é quase como se ela estivesse naquele lugar antes, mas ela não conseguia se lembrar exatamente onde era. Na sequência, Fernanda mandou uma outra foto, só com o Shou fazendo pose de quem não quer tirar foto, como uma espécie de prova a mais. Fazia um certo sentido, mas ainda havia uma desconfiança que ela não sabia exatamente de onde vinha. Ela respondeu Fernanda com um joinha e voltou para a conversa com Shou.
- Tá, tem a cara do Japa e parece que conhece a Fernanda.
- Curtiu?
- Eu vou supor que você tá certo, mas acreditar ainda não acredito não.
- Seguinte a gente tá aqui no Bullguer do Botafogo Praia Shopping. Fernanda queria saber se tem como você vir pra cá.
- Porra, hoje?
- Hoje.
- Agora?
- É.
- Tá. Tá bom. Lá vou eu me meter em furada de novo. - E desligou o telefone meio que na cara do Shou.
Flambarda tomou mais gole de café quente pra se certificar que a cólica ia bater só mais tarde e foi se arrumar. Ela aproveitou que a sua roupa favorita já tinha sido lavada. Aquela camisa roxa; aquela saia saia preta; se ela ia se fuder, que fosse pelo menos pra se fuder esbanjando estilo por aí. Ela colocou a carteira na mochila, verificou se os cartões estavam lá; maquiagem; absorvente; buscopan; e tudo mais que uma mulher carrega na bolsa porque nunca se sabe o que vai precisar e quando.
- Vai sair, filha? - Jéssica perguntou.
- Vou. Infelizmente. - A filha respondeu não muito animada
- Resolver coisas do além?
- Exatamente.
- Te cuida. - A mãe levantou e foi até Flambarda, deu um abraço e um beijo como quem se despede de alguém que pode não voltar.
- Juro pra você que eu tô tentando.
- Agora vai lá e arrebenta. - Disse Jéssica, dando dois tapas nos ombros da filha.
- Pode deixar. - Ela disse sorrindo antes de sair pela porta.
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