domingo, 28 de abril de 2024

Polêmica #86 - Sexualização ou Libertação?

Esse é um papo velho, mas que volta e meia aparece porque sempre tem ume desenvolvedore de jogos meio tarade que resolve fazer coisas desse tipo:


Mas vamo combinar que Stellar Blade nem tem tanta coisa assim.

A minha estratégia aqui vai ser fazer perguntas pertinentes encadeadas pra gente tentar chegar em algum lugar. Eu nem cheguei a jogar Stellar Blade (e nem jogarei), mas jogo com protagonista gostosa é o que não falta. A pergunta inicial que a gente pode fazer é:

Por que determinados jogos com gostosa geram polêmica, e outros não?

Essa pergunta já vem de voadora porque ela é uma pergunta comparativa naturalmente. E realmente nem todos os jogos com gostosa geraram rebuliço, mas é mais importante citar que as vezes o jogo nem precisa ter uma gostosa pra ser extremamente controverso. No Atari já tinha o Custer's Revenge que é um jogo cujo objetivo é levar um cowboy branco pra estuprar uma mulher de um povo originário, ou seja, tá tudo errado. Isso foge um pouco da regra pq a vítima não é protagonsita da história e aí foge daquilo que a gente tá falando, mas aí a gente vai andar um pouco no tempo e tentar olhar isso ao longo da evolução dos gráficos também. Vai ter saltos no tempo porque eu to pegando do que eu lembro e não de uma pesquisa extensiva.

Eu comecei no Super Nintendo e pra início de conversa, protagonista feminina já era uma raridade. Personagem feminina muito em geral é coadjuvante, quando não é vítima como em Clock Tower. Algumas poucas mulheres são jogáveis, em Mortal Kombat temos a singular Sonia Blade; Chrono Trigger tinha Ayla, Lucca e Marle; Breath of Fire 2 tinha Nina e Katt; Fatal Fury tinha Mai Shiranui; Street Fighter tinha Chun-Li, e depois vai surgir a Cammy; Battle Tycoon: Flash Hiders SFX vai revolucionar fazendo um 50/50; e claro a revolucionária Samus Aran em Super Metroid.

Se olharmos sob esses pontos de vista, Samus Aran é a grande revolucionária porque na verdade ela está presente desde o Metroid do NES. Sendo provavelmente a primeira grande protagonista feminina, mas é importante dizer que o corpo de Samus só é exibido como recompensa para o jogador que demonstrar habilidade o suficiente para fazer uma SpeedRun, ou seja, o corpo dela é meio objetificado nesse tipo de experiência.

Ou seja, gostosas em jogos vão aparecendo bem aos poucos, e até agora nenhuma como protagonista que exibisse o seu corpo de fato, além disso mulheres jogando video-game era uma coisa bem mais rara (apesar da minha avó e sua irmã serem as primeiras jogadoras que eu conheci), a menos disso, a maioria das aparições eram com roupas pelo menos questionáveis. Só que como essas coisas vão ficando pra trás, a gente dificilmente revisita isso pra pensar nos conceitos, mas eu poderia chutar que a primeira a gerar todo o rebuliço foi Lara Croft em Tomb Raider simplesmente por causa do Biquini.

Repare aqui que o problema não é o corpo de Lara Croft. A menos do biquini, Lara Croft era arqueóloga, dava tiro, brigava, e os escambau. A pergunta que faz mais sentido é: "Pra que um pedaço do jogo onde ela aparece de biquini?" Não é nem algo que você precisa se esforçar pra conseguir. É algo que você faz na área de treino! Ou seja, antes já era ruim pq era questão de premiação, e agora tá ali disponível logo no início, e não é uma coisa que seja exatamente de proposta do jogo, não é algo que diz respeito a personalidade dela. É apenas para exibição de corpo, por mais poligonal que fosse.

A partir daqui, personagens femininas começam a aparecer um pouco mais, mas isso não quer dizer que ainda não sejam raras, mas aqui vamos ter algumas coisas interessantes como Parasite Eve e Resident Evil! Resident Evil ainda é mais ou menos mas é 50/50 ainda. Parasite Eve coloca Aya no cerne do jogo, e eu não lembro dela ter gerado qualquer polêmica, especialmente porque o jogo é relativamente linear. Aya Brea é uma protagonista que tem uma história sofrida contada. Fim. Sua roupa é a roupa de uma pessoa comum e a construção de personagem é focada nos eventos que vão acontecendo na história que basicamente não tem cunho sexual.

Uma menção importante a ser feita aqui é Phantasmagoria, que coloca uma personagem feminina no cerne de um ambiente de terror. Se a gente parar pra olhar, as mulheres, depois de Metroid, vão aparecendo como protagonista majoritariamente em jogos com alguma temática desse tipo, tal como Fatal Frame e Bloodrayne. Algumas vão aparecendo em coisas mais de suspense como Joanna Dark em Perfect Dark, enquanto elas vão ganhando mais espaço aos poucos nos jogos de luta, mas ainda aparecendo muito lado a lado com personagens masculinos. Outra menção importante aqui é Lenneth em Valkyrie profile, onde ela como valquíria coloca outros personagens masculinos no chinelo.

Ou seja, se a gente parar pra olhar tem muito mais jogo com personagem feminina que não gera polêmica do que o oposto.Morrigan Aensland, Mai Shiranui, Chun Li, Cammy, Bloodrayne, Rainbow Mika... Talvez a sexualização das personagens não chegue a causar qualquer estardalhaço, até mesmo quando é uma sexualização sem qualquer propósito! Porque a roupa da Cammy tem que ser um maiô? Foda-se, o que importa é que ela tá chutando a cara de geral. Os problemas começam a surgir quando você tem coisas como Dead or Alive, Heavy Rain, ou Bayonetta onde a sexualização é usada como marketing.

Mas tá errado usar sexualização como marketing?

Essa é uma questão mais profunda, e mais difícil mas a resposta em geral é: Sim.

Sabe quem usa sexualização como marketing? Filme pornô. Só que ao passo que o jogo usa sexualização como forma de marketing, o jogo em si clama não ser sobre sexo. É quase como se você quisesse vender conteúdo sexual passando um verniz de aceitabilidade colocando isso em forma de jogo. NieR não precisa focar na calcinha da Yorha sempre que ela sobe a escada. A Bayonetta precisa mesmo ficar pelada enquanto bate porque a roupa dela é o próprio cabelo? Milenna e Kitanna precisam mesmo de roupas de combate tão expositivas? Bikini Plate nos MMOs é algo necessário? (Apesar de eu ver muito pouca bikini plate nos jogos que eu joguei, talvez a Lord Knight e a Paladin de Ragnarok) A Sorceress de Dragon's Crown precisa de uns peitões daquele tamanho?

O Marketing é o anúncio de um produto. Se você coloca sexualização no marketing, você está anunciando que é um produto com foco naquilo, e não na proposta do jogo de fato. Se Bayonetta é um jogo de passear e bater, quase como uma forma feminina de Devil may Cry, porque a capa de Bayonetta é ela com um decote nas costas e chamando a atenção para a bunda da personagem, enquanto DMC é o Dante abrindo uma porta na base da violência com um foco incrívelmente absurdo na arma que ele usa? De fato ambos os jogos estão fazendo apelo ao que tem, mas armas são coisas, pessoas não são. Quando você coloca a sexualização na capa, o que aparenta estar sendo vendido é um ser consciente sendo vendido como objeto sexual.

- "Então não pode usar sexualização como marketing?" - Eu acho que pode se aquilo que você pretende vender é sexualização, e então finalmente chegamos a Stellar Blade. Similarmente a Bayonetta e NieR, você tá vendendo um conteúdo erótico ou você tá tentando vender um jogo de dar porrada em quem aparecer? O contexto e a expectativa em que a sexualização aparece é bastante importante. Sempre foi, e isso aparece muito no nosso querido Funk aqui no Brasil. Quando você vê Valesca Popozuda, Mc Carol, e várias outras cantando sobre ir no baile de sainha e que ninguém vai segurar a gente tá falando sobre objetificação porque estamos falando de sexualização ou estamos falando de libertação?

Ué? Mas pode sexualização como libertação?

Sabe uma coisa que é mais polêmica do que uma gostosa sendo protagonista de um jogo? Falar sobre buceta, xoxota, teta e sobre ter a liberdade de usar isso como quiser, ao invés de ser apenas ferramentas de prazer a disposição de quem detem um objeto sexual. Escutamos incontáveis músicas falando sobre homens que vão fazer sexo falando sobre suas parceiras (porque em geral são músicas heteronormativas), como objetos, mas existe músicas que vão justamente no sentido contrário, mas adivinha qual delas é mais fácil de achar?

O que de fato está acontecendo é a apropriação de uma dada sexualização para ser usada como forma de libertação porque, o que impede que uma mulher que usa pouca roupa seja respeitada? Só a falta de respeito de quem não entende que uma mulher com pouca roupa não é um objeto sexual. Contexto importa bastante aqui porque uma mulher de biquini na praia é apenas mais uma na multidão. Uma mulher de top e sainha no baile é a suposta vadia que quer dar pra todo mundo. Não há um respeito da escolha pela pouca roupa, há apenas a objetificação sexual baseada no contexto.

Falando em contexto, ele é crítico para decidir se a sexualização sendo colocada na mesa é objetificação ou libertação. Esse contexto não é uma coisa simples como a capa de um jogo de Nintendo, tem tudo aquilo que a sociedade captura acerca da personagem. Se Bayonetta começa a sua jornada como personagem sendo vendida como um objeto sexual, ela termina sendo ressignificada como um símbolo de libertação porque é uma mulher fazendo o que quer, como quer, derrubando as barreiras necessárias para tal, e como se não bastasse, fazendo com que o jogo seja uma sátira de si mesmo dada a quantidade de absurdos. Quando o salto do salto alto é um revólver, a gente tá falando de alguma coisa que não é meio satirizada?

Yorha 2b é uma outra personagem extremamente complicada porque NieR não se presta a essa sátira, mas a comunidade entende que a personagem é mais do que toda a sexualização usada para se vendê-la, mas até explicar que nariz de porco não é tomada, quem garante que vão entender que isso é uma verdade e não vão enfiar um cabo no nariz do animal? E mesmo assim a personagem não tem metade da abertura de libertação que Bayonetta tem para si. A resposta da comundiade é sobre a profundidade da história da 2b, e não sobre como ela é um ícone de libertação que faz aquilo que precisa fazer da forma que quer.

Por outro lado é questionável se a sexualização é realmente necessária para essa libertação porque, em outro contexto, Valorant e suas agentes que tem um design muito mais plausível sob um contexto de conflito não precisa abusar de sexualização para empoderar as mulheres que fazem aquilo que precisam fazer da forma que querem fazer. Dá mesma forma Overwatch 2 mostra uma evolução muito forte nessa questão de mostrar que as mulheres não precisam se sexualizar para se empoderar. De onde eu vejo, esses dois jogos são muito mais populares entre as mulheres do que a grande maioria dos outros MOBAs, o que me parece indicar que o público é mais misto para jogos onde as mulheres são representadas de forma menos sexualizada. Em outras palavras, mulher pelada não atrai mulher hétero.

Homem pelado atrai mulher hétero? Talvez. Em pornografia talvez, em jogos provavelmente não. Eu já falei sobre o problema da sociedade em enxergar o sexo de uma forma de posse, como se houvessem opressories e oprimides, e es opressories tem posse sobre es oprimides. Homens desnudos, super fortes, e super ativos não são vendidos como objetos, e sim como protagonistas de uma história na qual vão triunfar sobre os desafios a frente. Então até a própria forma com a qual a sociedade enxerga o sexo influencia nesse debate.

Enquanto isso a sexualização de personagens consolidadas, por outro lado, parece falar muito mais a respeito da libertação delas. Se a Chun-li hoje tem um furo no meio da camisa pra fazer um decote, foda-se, a mulher tem pelo menos uns 20 anos aí sobrevivendo no mercado então se ela quiser usar aqueles pano preto que mal cobre a ppk e os peito pra dar porrada, ela tem toda a liberdade pra isso. Se Samus Aran que tirar a armadura e dar tiro de Collant Azul, que tenha a liberdade para tal. Se a Lara Croft hoje quiser aparecer de biquini, isso não é metade do estardalhaço que seria no passado porque com a consolidação, se permitir a sexualização passa a ter um conceito diferente.

Mas e Stellar Blade?

Só o tempo vai dizer o que vai acontecer com Stellar Blade, pode ser que a personagem seja ressignifica e seja trazida para o empoderamento, mas, como dito anteriormente, quando o seu marketing é voltado para a sexualização, o que parece que você está vendendo é a personagem do jogo como objeto sexual, e não um jogo de dar porrada nos bichos com uma mulher protagonista. A idéia não é que um homem vendo o anúncio imagine a mulher dando porrada em geral, e sim que ele se imagine fazendo sexo com ela, quando na verdade ela é protagonista de uma história onde provavelmente a última coisa que ela deve estar pensando é sexo.

Então não dá pra dizer que não há polêmica. Não dá pra dizer que não tem problema. Também não dá pra dizer que no futuro a personagem vai ser ressignificada. Então se a sociedade já tem olhos diferentes para a forma com a qual interpretamos as coisas, cabe ainda fazer esse tipo de propaganda? Agora, pode não ser fato, mas é esperado que o grande público que vai comprar o jogo é majoritariamente masculino. Em contra partida, a quantidade de homens que eu vi jogando Horizon Zero Dawn foi zero.

Eu não julgo quem fez a propaganda dessa forma, quem fez, tinha um propósito chamar a atenção de um determinado público, mas conforme a internet se massifica e alcance mais populações que não são homens cis héteros, bem como a cultura gamer se torna cada vez mais diversa, acho que a companhia tem que arcar com as consequencias de ter feito a propagando do jeito que fez porque sabia que ia ter um público que não ia gostar da idéia, mas tenho quase certeza que o público alvo adorou porque saíam em defesa do jogo mesmo sem nem ter jogado. São os prós e os contras de se usar peitos balançando pra se fazer marketing atingindo um público também feminino.

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