Quando Flambarda subiu as escadas para entrar na estação de metrô de Vicente de Carvalho, tudo parecia normal. Além da chamada aleatória de Fernanda, que ela precisa responder, tudo parecia extremamente rotineiro. Ela já teve alguns dias normais, mas eram cada dia menos frequentes. Talvez fosse hoje um dia para descansar. Ao mesmo tempo, ela se perguntava se isso não seria apenas aquele ponto de save antes do boss e que o mundo estava preparando alguma coisa pra jogar de volta nela, só que, pela experiência dela, quando esse tipo de coisa acontece tem alguma doidera com essas benditas luzes que passeiam pra lá e pra cá. Naturalmente, ela ainda não tem bola de cristal e não consegue saber se amanhã as entidades estarão a fim de comer seu cu com farofa ou não.
Mas ela ainda tinha dúvidas, que ela planejava tirar com Sofia e sabe-se lá a quem mais ela poderia perguntar. Esse papo de elemento ta começando a fazer algum sentido e isso a incomodava um pouco. A vida era tão mais fácil quando era só beijar na boca e pagar boleto, e olha que ela nem pagava tudo quanto era boleto ainda! Se alguém sabia como essas coisas deviam funcionar seria ela, que tinha um caralho de uma apostila sobre isso. Parece que desde que ela pegou essa bendita dessa luva, sua amiga resolveu entender a fundo. Era interessante ter Fabiana e Sofia por perto. Elas forneciam apoio emocional e racional, o problema é que era difícil saber quem usava mais a cabeça e quem usava mais o coração, não que isso fosse realmente importante.
Ela deu uma certa sorte, porque o metrô não tardou muito a chegar na estação logo após sua breve epifania. O trem estava relativamente vazio. Haviam poucas pessoas no vagão, e como toda boa usuária de transporte público a primeira coisa é tentar entender porque diabos essa dádiva dos céus está acontecendo, ainda mais depois da sorte de não ter que ficar esperando o trem. Ao pegar o celular pra tentar pesquisar alguma notícia, ela escutou oa mensagem do alto-falante:
"Olá passageiros aqui é o condutor Rodney..."
Puta que pariu! Agora não! Tudo dando certo e o condutor é esse filho da puta! Pelo menos isso explica porque a Bibi não tá com o Rodney agora no domingo. Que merda que vai acontecer agora!?
Por experiência própria, Flambarda sabia que sempre que Rodney estava na jogada alguma coisa zoada acontecia. A grande pergunta era o quê. A própria Flambarda estava tensa e suas energias passavam a se desestabilizar, essa instabilidade gerava uma espécie de reação em cadeia que aos poucos desestabilizava a energia do próprio trem, a ponto dele passar a chacoalhar até um pouco mais do que estava chacoalhando antes. Como isso começou a se tornar intenso no trajeto entre Tomaz Coelho e Engenho da Rainha. Rodney parou o trem dizendo que estava esperando o tráfego, o que era uma grande mentira, e começou a fingir realizar um processo de manutenção. Até que se deparou com a jovem.
- Flambarda!?
- Oi... - Ela disse, bem desanimada.
- Ah, agora tudo faz sentido.
- Não me diga.
- Olha, eu não sei o que tá acontecendo então eu preciso que você fique calma.
- Sinceramente, Rodney, a melhor forma de eu ficar calma é pegando outro caralho de trem.
As pessoas ao redor olharam aquile diálogo inusitado e ficaram em um misto de sentimentos que variavam entre a curiosidade em entender porque diabos o condutor estava discutindo com uma pessoa aleatória, e sobre o que essas duas pessoas estavam conversando, como também por qual razão ele não estava se dedicando a consertar o que quer que estivesse errado com o veículo.
- Não. Também não tem necessidade disso.
- Eu insisto! Me recuso a continuar nessa porra! - Flambarda começou a se movimentar para sair. - Ah! Vai tomar no meio do olho do cu, vai!?
- Mas... - Rodney não sabia nem como continuar.
A detetive ficou do lado de fora da estação sentada em um banquinho. Olhando pro trem se acalmando um pouco por saber que não vai seguir viagem com Rodney, mas ficando apreensiva porque ele ainda não tinha resolvido o problema. Quando ele passou de volta, ela fez questão de mostrar o dedo do meio da forma mais desrespeitosa possível, o que ficava ainda mais evidenciado pela luva. Isso de alguma forma a acalmava, estabilizando a energia das coisas aos poucos. Logo as portas do trem se fecharam e ela via aquilo partir rumo a próxima estação imaginando que talvez ela devesse estar lá pra evitar qualquer coisa estranha que fosse acontecer na presença daquela criatura.
Considerando tudo o que ela já passou, ela certamente fez a escolha mais egoísta. Essa vida de ter que ficar lidando com as sobrenaturalidades cansa, mas já era noite. Ela ficou um bom tempo na casa de sua amiga, a solidão naquela estação de metrô parecia um pouco mais opressiva. Seus olhos captavam o movimento errático das luzes que se afastavam das escadas de acesso a plataforma. Movimento conhecido que geralmente indicava que ela não estava em boa companhia. A demora pela chegada do próximo veículo era outro sinal, e o conhecido vácuo de sinal de celular tornava tudo um pouco pior. A jovem se levantou do assento e olhou para a anomalia nas energias. Um malamorfo começava a se aproximar e dava passos em sua direção como um predador saboreando uma presa antes da refeição.
Flambarda já estava começando a imaginar a situação, mas ainda sentia alguma culpa por ter matado um malamorfo, afinal de contas, são humanos que deixam energia esvair de seus corpos. Por conta disso, ela ponderou rapidamente consigo mesma e preferiu não sacar a arma, por alguma razão Alabáreda parecia acordar nessas horas, quase como se guiasse ela a lutar.
- Base de sumô. - Disse alabáreda, telepaticamente.
- Que? - Ela respondeu em voz alta.
- Você tem a estabilidade da terra, usa isso a seu favor.
- Ô, filho da puta. Eu não sei como é a base do sumô.
- Tu nunca viu uma luta de sumô antes?
- Caralho! Eu moro no Brasil, sabia!?
- Tá! Deixa eu pensar.
- Rápido porque ele tá chegando perto!
- Hinako! Hinako do King of Fighters!
- Ah, agora sim!
Flambarda se curvou com suas mãos prontas para agarrar a criatura e jogar ela em algum lugar, tal qual uma lutadora de sumô. O problema é que ela não sabia exatamente o que fazer com isso. Ela nunca teve aula de briga. No máximo fazia musculação quando dava e via os movimentos dos jogos de luta. A criatura, ao chegar numa distância equivalente a largura de uma rua pra dois carros, Deu um pique e saltou como quem dá um bote. - "Eu já vi esse filme" - Pensou, e avançou um passo fazendo um movimento com as mãos e girando o tronco de modo a jogar a criatura bem longe para trás. A execução não foi perfeita, e ela acabou caindo no processo, mas a criatura voou para bem longe, quicando e se arrastando no chão.
- Eu não acredito que essa porra tá funcionando. - A jovem disse, incrédula.
- Confia em mim. Você sabe por quantas lutas eu passei?
- Um porrilhão.
- Quanto é isso?
- Porra...
A detetive não queria estender aquilo por muito mais tempo e começou a se aproximar. Talvez a falha do primeiro movimento fez com a criatura ficasse acuada, ou talvez estivesse apenas sentido dor devido ao arremesso. O andar de Flambarda, por outro lado era muito engraçado porque ela não queria perder a postura de luta, e aquilo dificilmente intimidaria outro lutador. O malamorfo se pôs de pé. Ele era grande, bem maior que ela, apesar dela já ser acima da média. Ao estar bem próxima, ela deu um pique para chegar perto e poder agarrá-lo. Recebeu um belo de um soco no processo, mas agarrou ele pelas pernas, e o jogou para trás de uma forma meio desengonçada por cima do ombro, fazendo com que ele caísse de forma ainda mais desajeitada batendo a cabeça no chão.
O soco doeu, mas não era tempo pra pensar nisso. Ele estava vulnerável, tentando se recompor no chão. Flambarda socou suas costas com força e continuou socando como se tentasse pressioná-lo a ficar no chão. Aos poucos a criatura parecia ceder, até parar de responder com seus urros de dor.
- Precisa treinar mais, mas tá bom. - Disse Alabáreda.
- E agora, o que eu faço?
- Você precisa decidir se vai mantener a vida da criatura ou vai devolvê-la a Brahma.
- Como eu curo essa porra!?
- Canaliza energia!
- E como eu faço isso!?
- Você não sabe?
- Claro que não, porra!
- Ah. Sei lá. Os druidas geralmente colocavam a mão assim em cima da criatura e passavam a energia.
- O Rodney tinha uma garrafinha.
- Que?
- Ah, foda-se.
A detetive colocou suas mãos sobre as costas da criatura e nem sabia se estava fazendo a coisa certa, mas se concentrou em tentar passar alguma energia que tinha pra criatura. Era como se ela ficasse travada na sua mão, e existisse ainda alguma espécie de barreira entre eles. - Vamo! Merda! Como é que o Rodney fazia isso!? - A casca sombria e monstruosa que geralmente envolvia o malamorfo começou a se dissipar revelando inicialmente o rosto da criatura, o que fez com que o desespero tomasse conta de seu coração. - Por favor! De novo não! - Ela não queria que mais uma pessoa morresse por suas mãos. As lágrimas lentamente turvavam a sua visão, apesar do fluxo de energias parecer ter sido liberado, e ela começava a ver as luzes amarelas e vermelhas fluindo de seu corpo para o corpo da criatura.
Conforme isso acontecia, ela era tomada por felicidade mesmo enquanto chorava. Ela não sabia exatamente o que tinha acontecido, mas algo deu certo, e agora o agente de segurança do metrô, que ela reconhecia pelo uniforme, provavelmente não se dissipará. Ela colocou a mão no pescoço pra tentar ver o pulso, mas não sabia fazer isso, então girou o corpo para escutar as batidas do coração deitando sua cabeça sobre o peito do homem. Ela conseguiu ler "Carlos" no identificador. O bater do coração, fez com que ela se jogasse para trás em alívio, ainda chorando pensando que quase tirou mais uma vida.
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