A essa altura do campeonato eu acho que todo mundo sabe quem é Sergio Sacani, o que ele falou sobre palestrar na UFSC, já deve ter ido ver o vídeo da palestra pra saber se teve invasão e os caralho a 4. O que eu vejo em discussão é uma disputa de tecnicismo e detalhismo que, honestamente, é uma bosta. Desconsideram completamente o princípio da caridade argumentativa, e simplesmente ficam dois lados tentando disputar narrativa.
O Sergio fala "porrada" mas vamo combinar que certamente o cara não ia sair no braço com um monte de estudante. Nenhum dos dois lados é burro o suficiente para tal pq no final sabem que vai virar noticia no jornal e vai ficar feio pros dois. Já virou notícia porque o Sacani foi chorar lá no podcast que a galera não queria que a mesa acontecesse, e que é um absurdo que a galera não quisesse. Eu já vou explicar que é choradeira, mas ficar pegando no tecnicismo que não houve porrada e que ele devia escolher melhor as palavras é quase jogar sujo. Não é muito difícil de compreender que houve um conflito menor com uma pequena manifestação, e que de fato queriam, senão impedir a mesa de acontecer, pelo menos que fossem ouvidos e virassem notícia. Então meio que o Sergio acaba dando palco pra galera que foi pedir diversidade na mesa? De certa forma sim.
Mas de novo. Não vamos nos ater ao tecnicismo dos fatos como cães gulosos por expor hipocrisias porque senão vem um cavalo falando que a PEC 221 tá errada aritiméticamente, e o cara não entende que é pra acomodar hora extra e não explorar um trabalhador até a exaustão com elas, mas vamo lá.
O real problema aqui não é sobre ter tido porrada ou não, é sobre o uso do espaço de uma universidade pública, ou seja, um espaço que é, teoricamente, público. Se é um espaço público significa que qualquer pessoa pode sair fazendo qualquer coisa nele? Boa pergunta. Você pode fazer o que quiser na calçada da sua rua? Eu tendo a acreditar que não. Tem lei, tem regra, tem regulamentação pra fazer as coisas. Você pode colocar sua barraquinha ali na rua desde que tu não obstrua a passagem das pessoas, só que, naturalmente há de se pensar em o que significa "obstruir a passagem das pessoas". Se eu coloquei minha barraquinha primeiro e depois um cara pára um carro na calçada. Sou eu quem está obstruindo a rua?
As interpretações judiciais são muito abertas porque o mundo é muito aberto e difícil de entender para, consequemente, julgar conforme necessário. Quando é que dar um tiro no outro cara passa a ser legítima defesa? Se a pessoa tá só te xingando, apontar uma arma na cara dela é legítima defesa? Se eu falo uma verdade pública constrangedora sobre uma pessoa, isso é difamação? Isso significa que a própria justiça conta que as pessoas vão se resolver minimamente como sociedade ao invés de ficar judicializando tudo esperando ganhar alguma coisa com um processinho.
"Tá mas onde entra a palestra da UFSC nisso?"
Acontece que o auditório da UFSC é como se fosse uma espécie de bem público e a galera vai querer usar ele de alguma forma, ou não vai querer que ele seja usado de uma determinada forma. Veja bem, a calçada é um bem público, mas eu não quero que venha um cavalo ficar gritando na frente da minha casa que ao redor do buraco tudo é beira das 8:00 as 22:00. Isso me incomoda. Se a galera de Curitiba não quiser um show da Anitta no parque Barigui, é pra ter o show mesmo assim só porque a prefeitura pagou? Agora voltamos a palestra: Se os alunos da UFSC não quiserem que haja palestra de um determinado professor na universidade, a gente atende aos alunos ou deixa a palestra acontecer?
Então, pelo princípio da caridade, vamos argumentar que o Sergio realmente esteja com a razão, porque houve uma manifestação, de certa forma, violenta. Não queriam a execução daquela mesa do jeito que estava posta e foram brigar por isso. Então é possível sim interpretar como uma invasão porque era um movimento contra aquilo que se estava sendo proposto inicialmente pela universidade. A pergunta é: isso é um problema? E é aqui que eu digo que o Sacani tá chorando e reclamando de barriga cheia. A universidade ficou do lado da mesa e as coisas aconteceram. Ele ganhou uma disputa política e tá chorando porque ele não queria nem que houvesse uma disputa, pra usar aquele espaço público.
Mas o Sacani Fala de Ciência!
Beleza. Isso é argumento o suficiente? As meninas do NV1C também falam de ciência e tomaram processo. Emílio Garcia fala de ciência e tenho certeza que tem muita gente que não quer a participação de mesas de ciência com ele. Faz parte da briga política. Se você tem uma sociedade que tem um grupo de cientistas, é apenas natural que alguns sejam melhores recebidos que os outros porque há pluralidade de idéias, e mesmo todo o seu conhecimento científico não lhe concede responsabilidade social como consequência.
Então há política no desenvolvimento da ciência? É claro que há. Isso inclui também investimento nesse desenvolvimento. As disciplinas de exatas, especialmente a engenharia, tem maior financiamento porque o desenvolvimento destas gera automação que aumenta a produtividade e reduz a necessidade de esforço humano na produção. Quando você tira as ciências sociais do jogo, você retira a discussão dos impactos sociais que essa tecnologia gera na sociedade, gerando precarização do trabalho, por exemplo. Quando tenta se transformar economia em uma ciência exata, ao invés de ciência social, isso também é disputa política.
Não importa o quão incrível possam ter sido Whener Von Braum, e outros cientistas nazistas. Eu prefiro fechar as portas da universidade para uma ciência que não pensa no bem estar da sociedade do que abrir as portas para um progresso desenfreado que destrói a população.
E se Só Existirem Cientistas Fascistas?
Daí, das duas uma, ou a ciência é fascista ou a gente falhou como sociedade a ponto de não existirem cientistas que estão cientes de que existem movimentos sociais que visam degenerar a própria sociedade. A pergunta na verdade muda e se torna:
A Ciência Fascistiza as Pessoas ou Pessoas Fascistizam a Ciência?
A respota dessa pergunta é a segunda parte da sentença. Há pessoas tentando fascistizar a ciência porque, novamente, há uma disputa política pelo uso da ciência e da tecnologia. O desenvolvimento dessas gera transformações na sociedade e as decisões políticas balizam essas transformações.
Geralmente quem ganha essa disputa política é quem tem o poder econômico nas mãos porque, como já sabemos pelo estudo de história, as decisões políticas das nações foram dadas de acordo com os grupos que detinham o poder econômico naquele momento. Portugal e Espanha saquearam o mundo atrás de ouro porque naquela época era o que gerava poder "econômico" (nesse caso meramente financeiro). As colonizações britânicas, em contrapartida, serviam muito mais para escoar a produção industrial que se dava naquele momento com o crescimento da industria textil.
Só que se há um embate político, isso envolve pessoas, e elas tem todo o direito de pedir ciência com maior responsabilidade social. Isso deixa uma outra pergunta no ar: "A gente pode deixar cientistas sem responsabilidade social falar?" A resposta é fácil porque, teoricamente, não deveríamos deixar as pessoas falarem sem responsabilização. As pessoas tem que se responsabilizar pelo que falam, pelas piadas que proferem, pelos memes que compartilham. Esse papo de que "é só piada" já não deveria colar mais, porque, como a gente já sabe, quando é só piada ofensiva ao lado dessas pessoas, deixa de ser piada rapidinho pra virar discurso ideológico.
Cientista Não Pode Ter Opinião?
Claro que pode, desde que mantenha pra si. Se você vai proferir a sua opinião, que você tanque isso e pare de chorar. Se você demosntra uma posição política clara, então quando outras pessoas vierem se colocar contra você, aguente a pressão e pare de chorar. Quando o Sacani se queixa de que as pessoas estão querendo tirá-lo na porrada, tem que aguentar que vai ter gente contra. Ou as pessoas explicam e embasam suas opiniões para argumentar com seriedade, ou então feche a matraca e pare de chorar.
A luta das pessoas para que a universidade seja do jeito que elas querem que seja é real e é válida. Não é só porque você é um cientista que você pode ditar como a sociedade tem que se comportar especialmente se você não for pelo menos um cientista social. Quer ditar como a sociedade tem que se comportar, se candidate como político, obtenha os votos e vá encher o saco lá no congresso, e se quiser dar opinião no debate público tem que aguentar a porrada que vem do outro lado e aprender a devolver. Até porque a gente espera que a opinião de um cientista seja minimamente fundamentada em alguma análise, não um monte de groselha baseada em idéias abstratas.
O Sacani pode chorar, de fato, ninguém pode impedí-lo de ficar chorando. Só que é uma postura que, na moral, chega a ser desmoralizante pra própria posição política que ele tá defendendo. Toda essa choradeira só serviu pra repercutir que o cara não aguenta, e que a UFSC segue viva lutando por alguma diversidade dentro do estado com o maior número de células neonazistas identificadas. A UFSC também validou parcialmente a ação dos estudantes mantendo os cartazes e faixas naquele evento organizado naquele espaço público.
O Uso do Espaço Público
Então quem pode usar o espaço público e como? Se o corpo discente da universidade em peso toma o auditório pra impedir a realização de um evento que a alta administração da universidade anuncia, vai fazer o que? Chamar a polícia pra descer a porrada e executar aquilo que se deseja? Estudante não tem direito de definir como um determinado espaço público da universidade ao qual estão vicnulados vai ser usado? Bom, certamente um estudante unicamente não, mas se existe um grupo de pessoas que tem alguma reinvindicação, esse grupo tem de ser escutado.
Daí, quando dois grupos disputam pelo uso de um determinado espaço, ou existirá um terceiro pra julgar e definir como a coisa realmente deve acontecer, ou o conflito vai ser definido no braço. É assim na universidade, é assim na calçada da sua rua. Sabe um lugar que é público mas tem regrinhas muito bem definidas pra evitar que tragédias aconteçam? O Asfalto por onde passam os carros. Se os motoristas não obedecerem as regras de trânsito conforme elas estão dispostas, a chance de dar ruim é imensa. Da mesma forma existem regras pra se usar o espaço público da universidade. E se as autoridades da universidade estão validando o comportamento dos estudantes, pelo menos parcialmente.
As pessoas podem até reclamar, mas não podem simplesmente dizer que as pessoas estão erradas por não estarem satisfeitas quando você usa um determinado espaço público. Talvez fosse mais interessante até pensar e conversar: "Por que diabos essas pessoas não me querem nesse auditório?"
Por fim, o problema não é exatamente imprecisão da informação do Sacani, e sim que ele defende um lado, mesmo que sem querer. O que a gente tá pedindo é pra que ele assuma esse lado, ou entenda que ele não tá defendendo o que deveria.
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