quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A Descriminalização do Aborto é Necessária

Eu não vou marcar esse episódio como polêmica porque não tem polêmica aqui. Criminalizar o aborto nos poucos casos onde ele já é permitido é um retrocesso em termos de direitos das mulheres. A Câmara dos Deputados vem tentando milhares de formas de fazê-lo, e a forma mais recente é através da PEC 164, do Eduardo Cunha que já foi até cassado, mas ta aí o projeto dele. Antes nesse ano tentaram passar o projeto de lei PL 1904, que foi rechaçado fortemente no congresso e pela população. Ainda assim as casas legislativas insistem em passar coisas que vão contra os desejos dessa mesma população. Não era pra esses caras representarem a gente?

A menos disso, as pessoas precisam entender que a descriminalização do aborto não é uma propaganda para que pessoas que gestam abortem suas crianças. Qualquer pessoa que disser que está contra a descriminalização por estar defendendo a vida de fetos ainda em formação está simplesmente mentindo porque, como todo mundo já sabe, abortos vão acontecer quer a legislação queira ou não. Esse tipo de argumento pode ser um pouco fraco porque vai na mesma mão de: "As pessoas vão matar mesmo que esteja na lei que não pode, então tira da lei que não pode matar." Só que você tem que tomar cuidado pra não cair numa falsa analogia porque um feto tem muitas particularidades que uma pessoa nascida não tem.

Para além de todas as estruturas de um corpo humano que não estão completamente formadas até um determinado estágio, a vida do feto depende da pessoa gestante ao qual ele está atrelado. Naturalmente depende menos conforme as estruturas vão se formando ao ponto de ser possível que um bebê com 7 meses de gestação venha saudável e sobreviva fora do útero com os cuidados de uma UTI Neonatal. Só que não dá pra fingir que não há vínculo entre feto e gestante. Gestantes mais saudáveis mantêm bebês mais saudáveis dentro de si. Isso não quer dizer que uma pessoa que tenha uma determinada doença não possa gestar, mas sim que há um risco para a criatura sendo formada caso a saúde da pessoa formadora não esteja em dia.

Isso é alguma coisa mas não é tudo. A saúde da pessoa gestante é "necessária" mas não é suficiente pois existem má formações do feto que não dependem disso. Não a toa a lei atual permite o aborto de fetos anencéfalos pois são criaturas que morreriam logo após saírem do útero e que portanto estão complicando a vida de quem está gestando. Se você não concorda que há uma complicação, você está em outro plano de existência. O cuidado necessário a quem está passando por esse processo é extremamente crítico para que o resultado final, que é um novo ser humaninho, seja menos afetado o possível.

Aí me dá uma raiva imensa de quem tenta desmerecer esse cuidado que ume gestante, não só merece como também necessita, alegando que elus são perfeitamente capazes de desfilar em uma escola de samba porque algumes pouques, se sentindo com saúde o suficiente para tal, decidem fazê-lo. Esse é um dos piores exemplos de generalização possível.

Além do mais, um feto não é capaz de tomar as decisões por si, da mesma forma como pessoas que não estão plenas de suas faculdades mentais não podem, logo as decisões tem de ser tomadas por seus responsáveis legais, mas como é que uma criatura dentro de um útero vai assinar qualquer termo de transferência de responsabilidade? É menos uma escolha que essa criatura tem e portanto tem que contar com a decisão de quem está disposte a cuidar dessa criatura.  Veja que eu coloquei essa frase justamente pra provocar, afinal, quem faz a concepção e a gestação é de fato pai ou mãe? Sabemos que um elo uterino não é um elo genético, mas quando a gravidez dessa pessoa gestante se torna de risco, como é que a gente faz?

Não consegui te convencer que aborto não é equiparável a homicídio? Então vamos fazer a analogia e vamos ver até onde vai dar.

Mas tem que Defender a Vida!

Vamos então supor por um momento que aborto é homicídio e uma pessoa gestante que resolve fazer essa operação está atentando contra uma vida e portanto deve ser julgada e presa. Esse é o argumento padrão, que não passa pela questão filosófica de que a vida começa desde a concepção quando um espermatozóide fecunda um óvulo, beleza? Não irei ao absurdo onde uma menstrução é um homicídio e uma punheta é um genocídio.

A gente falou ali atrás sobre responsabilização. Um bebê, por não ter consciência formada não é capaz de tomar as decisões por si, então depende des pais, no plural. Aqui vai a minha primeira crítica: Se uma concepção não pode ser feita por ume gestante apenas - é necessário alguém para fornecer a outra parte do material genético - então é pelo menos justo que essa outra pessoa participe das decisões tomadas relacionadas a quem está para nascer. Não dá pra responsabilizar apenas quem está gestando porque essa gestação é fruto de algum coito e essa pessoa tem que ser responsabilizada junto.

Se alguém realizar a concepção e não assumir sua responsabilidade a gente pode alegar então abandono parental conforme o 3o. artigo do ECA(Estatuto da Criança e do Adolescente). Dá pra argumentar que feto não tem psicológico formado e portanto esse crime não poderia ser atribuído? Talvez, mas aí então a gente pode criar um Estatuto dos Zigotos, pra poder criar toda a legislação sobre zigotos. Se gestante que aborta é homicida, então - pra início de conversa - responsáveis que abandonam já podem começar com esse crime aí.

A consequência quase que direta, caso o aborto seja equivalente ao homicídio, é que o crime é então praticado sempre por pelo menos duas pessoas que são quem fornece espermatozóide e óvulo. Se for uma fertilização in vitro, aí talvez sejam 3 pessoas. Se ume gestante não pode conceber sozinhe, então também não pode cometer esse tipo específico de homicídio sozinhe. É muito fácil falar de vida desde a concepção, mas jogar toda a carga de responsabilidade apenas sobre quem faz a gestação. Isso simplesmente não é justo.

Isso é só uma parte do problema. Gestação é uma coisa complicada que acarreta em várias complicações a saúde da pessoa que está passando podr esse processo. Na grande maioria dos casos, essa pessoa vai perder  uma série de oportunidades devido a esse período em que ela precisa de resguardo pois está gerando outra vida. A perda de oportunidades pode ser equiparado a dano material, mas, como a gente está fazendo uma analogia do embrião com crianças, então naturalmente o bebê em formação não pode ser responsabilizado por qualquer dano material que a pessoa gestante possa sofrer. Nesses casos, sabe quem responde? Isso mesmo, es responsáveis pela criança, mas quem gesta, novamente, não deveria estar sozinhe porque quem concede também tem que responder. Poderíamos até ir além! Como quem gesta, necessita de apoio e de resguardo, esse cuidado deveria ser fornecido pelas pessoas que fazem a concepção e portanto elas deveriam ser responsabilizadas.

Se aborto é homicídio, então as duas pessoas que conceberam aquela vida devem ser responsabilizadas uma vez que elas, a princípio, seriam as guardiãs legais do bebê. Sabe o que aconteceria em caso de gravidez de risco? A pessoa que concebeu ficaria numa sinuca de bico porque agora, para evitar a punição, ela precisa levar o processo ané o final. Só que isso põe em cheque vida delas, e a pessoa quem concedeu vai cometer um crime em qualquer uma das situações. Se abortar é crime, se a mãe morrer é crime.

E a Taxa de Natalidade?

Tem uma galera preocupada com a queda da taxa de natalidade, e aí a gente tem que trazer dados. Vamos trazer dados da terra do Tio Sam pq lá Roe vs Wade aconteceu em 1973 descriminalizando o aborto por lá. Como era a taxa de natalidade? (De acordo com o https://www.macrotrends.net/global-metrics/countries/USA/united-states/birth-rate)

Rapaz, olha que interessante.A taxa de natalidade está numa crescente quase que constante e teve uma pequena escalada mesmo após a descriminalização! (Sim eu destaquei a data de 1974 porque é um ano após Roe vs Wade) Sabe o que isso significa? Existem mais fatores que determinam a fertilidade de uma nação que não são a criminalização do aborto. Lembra que a galera fala que a quantidade de nascimentos aumentou depois da descriminalização. É verdade! Só que não dá pra dizer que é atribuição direta disso.

Ah, é claro eu to olhando o gráfico errado, eu to olhando natalidade e não mortalidade. Essas coisas estão levemente correlacionadas, mas não totalmente, então vamos olhar para os gráficos da taxa de aborto, que passou a ser mensurada melhor a partir de 1973. Esse eu peguei da wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Abortion_statistics_in_the_United_States

Aumentou a taxa de aborto? Aumentou. Sabe o que não reduziu de forma expressiva? A taxa de natalidade. Além disso a taxa de abortos continuou alta até aproximadamente 1990 onde a taxa de natalidade estava numa suave curva alta. A partir de 1990 a curva de natalidade cai junto com a curva de abortos e as curvas passam a andar na mesma tendência. A taxa de abortos e de natalidade está, então, muito mais ligada a quantidade de pessoas engravidando do que dependentes entre si.

- Ah mas na Colombia descriminalizaram e a taxa de natalidade caiu pra caramba

Pois é, mas eles estão numa decrescente quase monótona desde muito tempo. Não dá pra sair metendo pânico moral agora. Todos os países do mundo tendem a redução da taxa de natalidade conforme se desenvolvem. Isso é a coisa mais normal do mundo, e não é a descriminalização do aborto o principal fator da queda da taxa de natalidade. O pico gerado pelo efeito imediato da lei não é o suficiente para justificar causalidade quando o que geralmente acontece, é a redução do número de mães jovens. Como já dizem: Criança não é mãe.

Se não faz diferença, pra que descriminalizar?

Não faz diferença pra quem? De fato, a taxa de mortalidade também cai ao longo do tempo, e a descriminalização do aborto, apesar de produzir o pico, não faz tanta diferença na quantidade de abortos realizados pela população. Então em termos numéricos realmente não tem muito impacto.

O que muda, é a humanidade com a qual a pessoa gestante é tratada. Ao invés de realizar abortos artesanais, com procedimentos inseguros, sem acompanhamento psicológico e amparo médico, quem gesta vai dispor de um serviço mais humanizado no sentindo até de planejamento familiar porque no final das contas é exatamente disso aqui que estamos tratando: fornecer as pessoas a capacidade de planejar como suas famílias serão estruturadas ao invés de simplesmente aceitar o caos que acontece.

Familias melhores planejadas geram sociedades mais saudáveis, que é exatamente aquilo que nós queremos. Pare imediatamente com essa falsa dicotomia implicando que as pessoas favoráveis ao aborto querem que todas as pessoas gestantes executem esse processo.

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