De quando em quando o debate sobre a liberdade de expressão se reacende, geralmente porque alguém falou alguma coisa bem loka ou bem extremada, mas é sempre um debate importante, e eu meio que já desenhei porque o debate é importante nesse post, mas de forma resumida, palavras podem influenciar pessoas a fazer coisas que elas não fariam se não fossem inflamadas por determinados discursos.
Mas da mesma forma, eu sou mais inclinado a uma liberdade de expressão quase irrestrita. Eu traço a minha linha ao redor de argumentos negacionistas, que negam o estabelecimento da ciência atual. Terra plana, Anti-vacina, esse tipo de coisa. Acho que as pessoas tem o direito sim de questionar a ciência atual, mas pelo menos com base em algum argumento que faça algum sentido, até porque se tem uma coisa que o cientista faz muitas vezes é questionar a própria ciência atual. Afinal de contas, pra avançar a ciência, só questionando-a.
Então, eu vou supor que já entendemos que censurar dizeres públicos é varrer o problema para debaixo do tapete, nada deve ser censurado. A fala racista não deve ser censurada, a fala homofóbica não deve ser censurada. Creio que a palavra chave aqui é a responsabilização das pessoas que proferem esse tipo de coisa.
Mas isso é complicado porque responsabilizar uma pessoa por uma fala já é difícil por si só porque se faz uma ginástica argumentativa bastante grande pra blindar a fala pra dizer que ela não é criminosa. A argumentação geralmente não produz prova porque palavras morrem no vento, a não ser que uma determinada fala seja gravada. Só que gravar uma fala não permite que você use essa gravação para condenar alguém se a pessoa não concordou que a gravação estivesse sendo feita.
Só que o problema de atribuir o crime a quem profere o discurso é só a ponta do iceberg. Se você parar pra pensar a magnitude disso, você pode simplesmente entupir o sistema jurídico, que já está entupido, de processos. Consequentemente, se todas as pessoas que sentem que sofreram injúria pelo discurso resolvessem processar os agressores, causaria uma sobrecarga óbvia em um sistema já sobrecarregado. Os casos simplesmente não se fechariam.
Porém a sociedade necessita responder os crimes que são feitos. E se a justiça não pode ser célere o suficiente para resolver esses casos, como não deve ser, a sociedade passa a rechaçar os discursos publicamente para que se note que isso realmente não pode mais passar impune, todavia, seria ingênuo esperar que não houvesse retaliação por parte do outro lado, logo a sociedade acaba se degladiando porque há pessoas que não vêem o crime no discurso ódio sob o manto da liberdade de expressão.
Além isso, liberdade é um conceito que muitas vezes é confundido com imunidade, ou seja, as pessoas acham que liberdade é ser capaz de fazer o que quer que se queira sem sofrer quaisquer conseqüências por isso, e não é preciso pensar muiro pra saber como isso pode dar errado por que, a mesma forma que a liberdade de expressão tem de ser para todos, também deveria de ser a imunidade, e simplesmente não dá para todas as pessoas serem imunes as conseqüências de seus atos. Não se criaria nem uma distopia porque não ia dar tempo da coisa se tornar uma distopia. Matar uma outra pessoa seria totalmente banal. Quiçá propagar um discurso de ódio.
Então, é difícil dizer hoje, pelo menos nos países democráticos, que a liberdade de expressão das pessoas esta cerceada. Até porque é possível discutir o que de fato é um cerceamento. É natural que censura prévia de qualquer discurso seja a forma mais simples de censura e talvez a mais grave, mas até onde impôr uma punição extremamente severa passa também a cercear o discurso. Se você impõe uma punição após a propagação de um discurso, você a partir de uma lógica totalmente fria, não está cerceando a liberdade de ninguém, mas quais pessoas estão dispostas a pagar preços tão altos apenas para proferir um determinado discurso?
Vamos falar do que realmente fica em pauta, que é a propagação do discurso de ódio, porque ele deve ser punido, e até onde seria uma punição justa. Há quem seja estoico o suficiente para dizer que palavras não são agressivas, mas hoje na maioria das legislações se entendem que elas podem sim ferir, provocando não só injúria, como também difamação, mas os problemas que os discursos de ódio geram estão calcados na tentativa de desumanizar outrem, e incitar o crime contra essas pessoas, ou seja, facilitar para que outras pessoas cometam o crime covarde que você não quer cometer.
É possível que alguém argumente que pessoas que cometem crimes incitados por outrem são mentalmente fracas, e que o risco de se cometer crimes deveria recair unicamente sobre essas pessoas, e de fato é o que acontece porque, novamente, é muito difícil provar que um dado discurso é um discurso de ódio. Todavia, retirar completamente a culpa dos propagadores de discurso é criar condições para que esse tipo de pessoa possa, através de influência e persuasão, cometer crimes sob a proteção de outras pessoas que vão pagar o preço de suas vontades nefastas! Imagine contratar assassinos de aluguel e sair impune por encomendar a morte de alguém!
Mas por outro lado se você cerca demais um discurso e não deixa que as pessoas o propaguem, você jamais saberá quem essas pessoas ruins são porque elas ficarão com medo de se expressar porque correm o risco de serem processadas, perderem seus bens e cair na infâmia. Logo por mais que teoricamente aplicar punições severas não seja a censura de um discurso de ódio, na prática ela é porque as pessoas passam a não propagar mais seus discursos, por medo de que sejam taxadas por discurso de ódio. No final fica a pergunta, quem decide o que é um discurso de ódio ou não é?
Bom, até onde o meu pouco saber jurídico me leva, para que um crime aconteça, é necessário que se tenha uma queixa do mesmo. Então não há crime cometido se há uma discussão na internet e nenhuma investigação civil ou criminal, mas caso haja queixa po alguém que se sentiu ofendido por um dado discurso, quem vai decidir isso serão os juízes, mas será que na construção do mundo que se tem hoje, será que os juízes serão parciais o suficiente para dizer o que é de fato discurso de ódio e o que é opinião?
Acredito que a questão é mais complicada, mas a única forma de saber se a lei está sendo justa ou não, é conforme ela vai sendo aplicada. Não é possível melhorar aquilo que não se mede. Então o registro dos casos é importantíssimo para que se saiba o que é um discurso de ódio e o que não é, mas acho que o mundo seria muito chato se as pessoas não pudessem decidir suas diferenças entre si, e ter de ficar recorrendo a tribunais para qualquer coisa que se escutasse.
Mas se achar necessário, não hesite em procurar a justiça. Não a faça com as próprias mãos.
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