"Não se nasce mulher. Torna-se mulher"
- Não sei quem
Eu já escutei essa citação mas fiquei com preguiça de ir atrás pq, devido a internet, eu posso achar que quem falou essa frase foi Cecilia Meirelles, então eu não vou me preocupar com a fonte da citação que talvez nem seja uma.
Mas eu to fazendo uma coisa difícil, eu to tentando raciocinar em cima das questões de gênero e desconstrução que são coisas, mais do que importantes, interessantes. Sobre o que eu entendo como mulher e como homem. E quando a gente escuta diferentes pessoas de diferentes histórias falando sobre esse mesmo assunto, fica meio difícil de não pensar sobre isso e não pensar sobre o que nós mesmos pensamos sobre gênero.
Eu acho isso importante, porque a gente fala bastante sobre a identidade de gênero, mas ninguém nunca falou o que define um gênero, apesar disso ser uma idéia bastante binária há algum tempo atrás, conforme a sociedade se transforma esse conceito se transforma também, então o que eu vou falar é unicamente a partir da minha experiência.
Antes de começar a dissertação de fato, eu peço que a gente faça duas reflexões: O que define o gênero masculino; e o que define o gênero feminino. E vou começar do binário porque eu fui uma pessoa educada nesse modelo. A partir daí eu me expandi, então parte desse texto é também a minha viagem sobre esse tipo de coisa.
A forma que eu fui educado foi binária. Piupiu -> homem, Pepeka -> mulher. O gênero das pessoas era definido dessa forma, mas a gente começa a reparar que, uma vez definido isso, então toda a construção acerca da pessoa é feita de acordo com o que foi pré-estabelecido. Se nasceu homem então as coisas que essa pessoa tem que fazer são coisas de homem, desde as brincadeiras, até a forma de se vestir. Eu via isso acontecendo na escola quando os meninos seguiam um padrão e as meninas seguiam outro, e o padrão era simples (até porque nessas idades não tinha muita coisa pra diferenciar), meninas tem cabelo longo e voz mais fina, meninos tem cabelo curto, e voz um pouco mais grossa.
Além disso, devido a criação acerca da pessoa, uma série de maneirismos se tornaram padrões também. Meninas tem estojos bem equipados e cadernos mais vaidosos, enquanto o material dos meninos era geralmente mais simplório.
O que acontecia é que, se destoasse um pouco desse padrão, o menino seria alvo de chacota justamente qualificando-o como se pertencesse ao gênero oposto. E agora que a coisa começa a ficar interessante, porque veja que a princípio o gênero é definido pelo orgão genital e se constrói uma série de coisas acerca disso, mas depois acontece o movimento reverso, passa-se a definir o gênero baseado nas coisas que foram construídas acerca dele porque acontece a proteção necessária da privacidade.
Então o que acontece é que se tenta fazer um movimento reverso, e eu não seria capaz de rastrear se isso já se tenta fazer de casa, ou se somos nós que observamos por nós mesmos, mas o fato é que existe e as coisas começam a se confundir pq os conceitos começam a não bater. Basta uma menina com o cabelo mais curto ou um menino com o cabelo mais longo pra gente entender que esse conceito falha.
Mas veja que os padrões estão tão enraizados que basta que uma criatura supostamente "homem", deixe o cabelo crescer e coloque um vestido para que seja considerado "mulher". Pode ser que a princípio a gente tente defnir gênero através de genitália, mas na prática o movimento é oposto. A gente pega as características que nos imporam que são comuns aos determinados gêneros (nesse caso dois) e usa para definí-los.
Agora eu estou especulando, mas acredito que esse movimento oposto é justamente devido a necessidade que nós temos de sintetizar coisas. O movimento de síntese permite a gente colocar algumas coisas em alguma caixas facilitando a nossa organização e o nosso entendimento do mundo. Além, é claro, das razões de marketing, para que não haja competição entre diferentes públicos quando se tenta vender um produto.
Veja a receita para o desastre: São criadas duas formas distintas de se chegar a uma mesma conclusão devido a construção que a sociedade faz e as pessoas parecem não perceber o quanto isso é conflitante. O conflito lógico indica que alguma coisa está errada, o problema é como lidamos com conflitos lógicos, e naturalmente existem duas formas:
- Tenta-se entender e analisar a situação com mais profundidade
- Escolhe-se um modelo e descarta o que não se adequa a ele
Obviamente a segunda forma é muito mais fácil de se lidar do que a primeira. Na verdade é o que a gente mais está acostumado a fazer. Cria um modelo, faz os experimentos, joga fora os pontos fora da curva que não nos interessam. O problema é que quando você aplica isso a pessoa e gênero, não há outra conclusão a não ser a criação de um preconceito contra aqueles pontos fora da curva. Você os exclui e minimiza a importância deles para que tudo se encaixe naquele modelo que foi criado inicialmente.Por outro lado, quando a decisão é fazer uma análise mais profunda, a gente não sabe onde vai parar. A gente não sabe se vai corroborar o modelo, se vai criar novos padrões, se tudo o que foi estudado até agora estava errado... Abre-se todo um leque de possibilidades o que permite a definição de novos padrões porque os dados não se encaixariam em um modelo de 2 gêneros apenas.Então veja que as coisas estão fundamentalmente ligadas com o modo que as definimos. O modelo que usamos para pensar gênero, naturalmente implica nos elementos que usamos para definí-lo. Se você trata as coisas binariamente apenas olhando para as genitálias você não tem muito pra onde correr, só que algumas regras sociais dificultariam bastante a convivência nesse modelo. Imagine se a primeira pergunta que se faz quando duas pessoas se conhecem poderia ser "Você tem um pau ou você tem uma pepeka?". Consideramos isso invasivo, e talvez realmente seja, mas seria a única forma correta de se saber o gênero de alguém quando você raciocina sobre esse modelo.
As complicações continuam porque as pessoas criam atração por coisas que não são necessariamente as genitálias. As pessoas se atraem por um conjunto de fatores num corpo - e não pelos órgãos em si - principlamente porque nós não andamos com eles expostos por aí, nem com uma plaquinha dizendo o que a gente tem. Nós nos atraímos por personalidades e corpos, não por paus e pepekas (pelo menos na maioria dos casos, né?).
Por outro lado, expandir e analisar além não é prático, e nós somos criaturas que precisamos de praticidade. 32 gêneros não ajuda ninguém a tornar as coisas práticas. A gente mal consegue decorar uns 5 padrões de divisibilidade. 32 é um número muito grande e a gente só gosta de números grandes quando se trata de
tamanho do pauconta bancária. Porém se mostra extremamente necessário repensar gênero quando a sociedade já não pensa mais na genitália para definí-lo, e sim em um conjunto de características.E isso complica ainda mais porque cada pessoa pode considerar um gênero de acordo com características diferentes. Uma pessoa pode achar que o cabelo longo é essencial para o gênero masculino. Outro pode achar que costas largas é uma característica intrínsecamente feminina, e vice-versa. E pra piorar ainda mais, isso não necessariamente tem relação com o gênero que nos atrai. Se uma pessoa se atrai unicamente por cabelos longos, independe do gênero que o outro lado se vê. A atração vai acontecer.
Daí, algumas questões surgem pessoas que pensa travestis são mulheres com pau, e outras que pensam que são homens com peitos. Essas definições são diretamente dependentes do modelo de gênero que essas pessoas entendem. A linguagem que as pessoas usam são ferramentas pra tentar descrever as coisas que elas sentem, observam e analisam, e essas análises são feitas de acordos com os modelos que elas usam, e com a abertura intelectual que elas tem para renovar seus próprios modelos.
Se formos nessa linha, poderíamos ser ainda mais radicais quanto a necessidade de gêneros. E ficaríamos apenas com pessoas que gostam de performar determinadas características. Dessa forma alguns termos cairiam por terra, como hetero/homo/bisexual, uma vez que esses termos necessitam da definição binária de gênero para funcionar. Isso é ruim porque no momento colocaria em cheque os direitos que minorias já tem obtido por se definir em termos fechados no modelo de dois gêneros. Os termos da sigla LGBT só fazem sentido nesse modelo.
Eu vou dar uma de linguista sem ser, mas, na minha visão leiga, isso demonstra uma outra coisa interessante na linguagem que é o fato dela ainda estar arcaicamente presa no modelo de dois gêneros. Usamos termos desse modelo pra se referir a nossas preferencias sexuais que são coisas novas, mas se continuarmos no estudo e na ampliação do modelo de dois gêneros, e na forma com a qual entendemos o mundo, a evolução da linguagem para englobar novos conceitos é inevitável.
Por fim, voltamos ao início, a forma como definimos o gênero depende diretamente da forma com a qual entendemos o assunto. Talvez a pergunta a ser feita é se faz sentido continuar definindo gênero em um mundo onde modificações corporais são cada vez mais possíveis, e onde os estilos que as pessoas adotam são dos mais variados.
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