Calma, é um pouco mais profundo. Entender isso de forma literal, implicaria em dizer que eu não faço a mínima idéia do que eu estou escrevendo, e se você conseguiu ler esse texto até aqui, quer dizer que tanto eu, quanto você sabemos ler alguma coisa.
Alguma coisa.
Eu digo isso porque, linguagem se tornou algo fascinante pra mim. Não só pelos vídeos da Jana Viscardi, mas também pela questão da paternidade. Oras, as crianças não nascem sabendo qualquer linguagem que você fale. Elas lentamente vão aprendendo conforme convivem, e, dessa forma, naturalmente, atribuem significados diferentes as coisas, por mais semelhantes que esses significados sejam. Um nome não é nada mais que um mero encadeamento de fonemas, ou de letras, dependendo da forma como vocë o expressa, que a gente usa pra tentar encapsular um determinado conceito. Não é de se admirar que muitas palavras são criadas por justaposição, prefixagem ou sufixagem. A gente, ou pelo menos eu, entendo o miojo como um macarrão instantâneo, que demora 3 minutos pra ficar pronto, mas eu não crio uma palavra diferente para o braço da cadeira, mantendo dessa forma a clássica catacrese.
Note como prefixagem e sufixagem denotam idéias parecidas e tem um ponto de diferenciação da primeira sílaba, onde o pre traz uma idéia de algo anterior, e o su traz uma idéia de algo posterior, apesar de, pra mim, su não ter nada de posterior. Na verdade, su, pra mim é pra trocar de usuário nos sistemas Unix.
Escrever um texto sobre não saber ler, meio que derrota a proposta inicial dele, mas, mesmo assim, paradoxalmente, eu vou continuar escrevendo. O que eu quero dizer é que na verdade tem coisas que eu não consigo ler. Tem muitas coisas que muitas pessoas não conseguem ler. Por exemplo, muitas pessoas não conseguem ler artigos científicos. Cientistas muitas vezes não seriam capazes de ler artigos científicos sobre outras áreas de estudo que não as suas. Fato é que nós não sabemos ler porque ler é muito difícil, e está tudo bem. A gente não precisa se sentir mal sobre não saber ler porque, como eu disse anteriormente, é muito difícil. Pra piorar, como toda obra de arte, textos podem ser policêmicos. Pessoas diferentes lêem um mesmo texto de formas diferentes e portante podem absorver coisas diferentes da mesma produção.
Vamos começar da policemia, o próprio escritor não tem controle absoluto sobre aquilo que os leitores vão entender daquilo que ele está escrevendo, então ele precisa de elementos reguladores para restringir a interpretação do leitor. O problema é, que, para que um regulador funcione, o leitor precisa entender aquele elemento regulador como algo que está lá para isso, caso contrário, ele pode acabar se tornando mais informação nova no texto. O limitador mais famoso é o contexto, que em geral acompanha o texto sem dizer uma palavra sequer, mas permite que as pessoas tenham um entendimento mais similar. Se um gato está bebendo agua, ainda há muito o que ser dito sobre a vasilha, a posição, e muitas outras informações que podem pertencer a cena, mas não estão explicitadas.
Então, oras, se uma obra é policêmica, isso quer dizer que o que você está lendo - e por "lendo" eu incluo o processo de conceder significado ao que se lê - não é exatamente aquilo que o escritor queria dizer. Você pode, e provavelmente vai, entender algumas coisas de forma diferente daquilo que o escritor queria passar, mas é importante que se saiba que está tudo bem e que é para isso que é possível se comunicar com os escritores também. É por isso que se pode conversar com os cientistas que escrevem aqueles artigos super complexos e complicados de entender.
Uma vez que entendemos a leitura como esse processo de visualizar, não necessariamente palavras, porque imagens também são lidas, objetos podem ser lidos, porque o processo de leitura é o processo de extrair significado e informação daquilo que se vê, e, porque não, daquilo que se escuta e se toca também, não é mesmo?
Agora, se um mesmo texto tem tantas formas de ser lido, imagine então quando colocamos a quantidade de verbetes diferentes podem aparecer por cada nicho de texto. Eu acho que eu parei tanto pra pensar sobre o assunto que eu descobri que eu não sei ler. Estamos tão habituados a tentar decifrar dissertações ou narrações apenas pelas palavras que pouco nos conscientizamos que elas nos dizem apenas um pequeno fragmento de uma idéia, e, mesmo assim, toda a percepção que a gente pode ter desse fragmento pode ser completamente diferente daquela que o autor queria fornecer.
Isso não é incomum. De fato, há pouco li uma matéria sobre o filme Matrix, que transpassa gerações. Devido a toda a filosofia que existe no filme, e ele nunca querer se prestar a dar um sentido linear ao que se vê as criadoras do filme dizem que é uma metafora sobre o processo de mudança de gênero, mas é particularmente fácil ver as pessoas entendo significados cada vez mais distantes daquilo que elas se propuseram a contar. Especialmente a cena da pílula vermelha.
E o gosto que fica é de que eu não sei ler, e isso nos leva a uma pergunta Se eu não sei ler, como então eu aprendo isso? Lendo mais? Talvez, mas acho que a resposta correta não seria necessariamente lendo, mas adquirindo mais cultura. Aprendendo mais sobre o mundo ao nosso redor, e a nossa frente também. Geralmente estamos tão consumidos pelas coisas que temos que fazer que temos muito pouco tempo para pensar se de fato estamos entendo-as ou apenas tentando controlá-las e eu acredito que controlar vai no sentido contrário de entender.
Se alguem me fizesse a pergunta hoje: Você sabe ler?
Eu não sei ler.
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