- Argh. Que droga... - Flambarda respondeu conforme levantava. - Você de novo?
- Ei. Eu vi o que aconteceu. - Alabáreda estendeu a mão para auxiliá-la a levantar.
- Tira essa mão daqui. - Ela respondeu com um tapa na mão dele e se levantou sozinha.
- Você realmente acha que ajuda em alguma coisa me repelir desse jeito?
- Não tô nem pensando. - Dizia, virada de costas
- É. Eu sei. Quanto mais você pensa, pior fica. - Ele dizia enquanto a rodeava e ela permanecia estática. - Você mata uma vez, se sente um monstro por tê-lo feito, quer que todo mundo se isole porque você é um perigo pra sociedade, pensa em suicídio algumas vezes, tenta fazer o cálculo, acha que a morte é uma punição muito pequena e que você precisa pagar por isso...
- QUIETO! - Ela gritou com toda a força que tinha nos pulmões, ainda de cabeça baixa, chorando. E lentamente erguendo a cabeça, e mesmo sem o ver, sabendo que ele estava atrás dela, ela continuou. - É isso tudo mesmo! Você tá certo! Você não precisa ficar comigo, sua luva maldita! Vai embora!
- Bom. Quem sou eu pra falar qualquer coisa? - ele voltou a circulá-la. - Eu já vi esse filme antes. Você não me pediu pra ir embora antes. Estava curiosa, queria saber até onde isso ia. Poderia dizer até que teve um empurrãozinho de algum roteirista. E você reluta porque sabe que eu salvei sua vida. Sabe que seu destino poderia ter sido mais trágico. Pior, outras pessoas poderiam ter tido esse destino. - E então ele parou de frente para ela.
Flambarda se calou. Ela sabia que era verdade e que ela estava em contradição. As lágrimas iam parando aos poucos porque o conflito ia se tornando mais forte que a tristeza. Essa sensação que aos poucos ia se tornando raiva por não ser capaz de decidir como prosseguir. Foi quando ela se ajoelhou, e começou a socar o chão do próprio sonho.
- Que merdaaaaaaaaa! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! - Ela estendeu a destra e inconscientemente canalizou uma quantidade imensa de energia em seu punho, mesmo dentro do sonho. - Infernooooooooooooooooooooo! - E desferiu um soco que arrebentou o chão como se estilhaçasse vidro.
Eles começaram a cair e o seu sonho teve sua velocidade reduzida, como se estivesse em câmera lenta. Ela estava pronta pra afundar no que quer que fosse. Ela afundou por um curto espaço de tempo até acordar no mesmo chão branco onde desacordou. Levantou lentamente, mas com um semblante diferente, decidida, como se tivesse as respostas que precisava, ou como quem pelo menos ia atrás delas. Aproveitou que já estava no banheiro pra fazer o que tinha que fazer, tomar um banho quente e se xingar porque esqueceu de trocar o absorvente e ter acabado de manchar a calça.
Quando a jovem terminou, pegou o celular e viu que eram cinco horas da manhã. A última coisa que ela queria nesse momento era estar em casa. O sol ainda estava para nascer, e a rua parecia deserta conforme ela olhava pela janela, o que a fazia pensar que era o momento perfeito para sair. Provavelmente os estabelecimentos estariam fechados, mas ela precisava espairecer, e talvez trazer pão quente na volta.
Ela pegou a mochila e saiu sem o celular. O porteiro ainda estava cochilando mas acordou assustado com o barulho do portão, e a viu sair conforme ela acenava para ele de volta. Tomou rumo em direção ao Maracanã que era para onde muitas pessoas iam correr de manhã, provavelmente por essa razão a atividade elemental era maior seguindo naquela direção. Seria bom porque ela não estava afim de topar com um Malamorfo agora, mas talvez a última coisa que ela precisasse agora é de uma coincidência.
O que não poderia deixar de acontecer na vida dela.
O mesmo policial que atendeu Flambarda no outro dia, estava correndo também por lá, e a reconheceu prontamente indo falar com ela diretamente.
- Oi! - Ele acenava para ela de longe conforme corria em sua direção. - Tudo bem!?
- Oi! - Ela gritou em resposta e parou para que ele a alcançasse. - Tudo sim.
- Eu lembro de você. Você tava lá na delegacia outro dia querendo saber sobre um cara.
- É... - ela hesitou. - Eu tava pesquisando.
- Cê faz sociologia?
- Eu... - Ela pensou em mentir, mas o cara era um policial. - eu faço Administração, mas honestamente nem sei porquê.
- Chega aí, vamo correr.
- Tá... - Ela começou a acompanhá-lo conforme conversavam.
- Então lembra dos mendigos apanhando.
- Sim.
- Era verdade, tinha um cara batendo nos mendigos.
- Que coisa.
- Mas recentemente parou um pouco.
- Quem diria.
- Só que ontem ouvi falar de um caso muito curioso. Furaram um cara todo! Sem teto também! Sem contar os cortes bizarros! - Flambarda ficou nervosa imediatamente.
- Caralho! Quem faria uma brutalidade dessas!?
- O mais bizarro é que a casa do cara pegou fogo depois! Provavelmente o assassino queria queimar as provas.
- Puta... Que merda. E como é que vocês vão pegar o cara assim?
- Infelizmente não dá. - Os ânimos dela se acalmaram. - O que vão fazer é estudar o modus operandi de colocar fogo do cara pra ver se acham alguma coisa.
- Gente. Que horror.
- Bem bizarro, parecia Fatality.
- Cê lembra do meu nome?
- Cara, eu lembro que era exótico, mas não...
- Flambarda - ela interrompeu.
- Ah! sim! Flambarda!
- E o seu?
- Tenente Albuquerque.
- Hmmmm... Daqui cê vai direto pra delegacia?
- Sim. Eu me ajeito lá.
- Beleza. - Ela começou a reduzir o ritmo. - Eu vou começar a voltar pra casa porque eu ainda tenho que comprar pão. - Até parar.
- Vai lá, eu vou dar mais uma volta aqui. A gente se vê.
Ela voltou andando, apesar de não estar se sentindo nem um pouco cansada. Traçou a rota para passar na padaria antes de voltar pra casa enquanto pensava.
É. A polícia já sabe, só não sabe que fui eu. Eu quero saber se vai dar do jornal, porque pode ser o fator que vai indicar se a investigação vai pra frente ou não. Eu preciso falar com a Brahma pra saber o que ela pode fazer, e até um pouco além. O que é pra eu fazer, além de ir investigar o Entrenós.
Flambarda sacou o dinheiro da carteira, comprou pão, queijo, e presunto. Ainda era cedo e sua mãe não tinha acordado, então ela parou e resolveu ela mesma fazer o café e tentar arrumar a mesa de modo especial para quando ela acordasse. Depois de preparar tudo, sua mãe ainda não havia acordado, então ela foi pegar o celular pra contactar suas amigas e tentar se desculpar. Ela mandou um whatsapp pras duas e se sentou na cozinha para procurar na internet notícias sobre o ocorrido ontem. Nada em nenhuma das principais mídias, mas haviam alguns sites que mais pareciam teóricos da conspiração, apesar de terem acertado na mosca que o incidente no Botafogo Escada Shopping tenha sido algo paranormal.
E pensar que eu desacreditei desses caras todo esse tempo. Será que o resto que eles falam é verdade também? Eu não acreditaria que isso era real se eu mesma não tivesse visto.
- Bom dia, filha! - Disse Jessica, conforme chegava na cozinha.
- Oi mamãe! - Apesar de tudo, Flambarda saudou com alegria.
- Que mesa bonita! Você quem fez!?
- Tá de sacanagem, né, mãe?
- Eu sei, que foi você. - Ela disse, sentando. - Me passa o suco de laranja por favor.
- Aqui. - A jovem obedeceu e passou a preparar seu café também.
- Cê dormiu bem? Chegou ontem, mal falou comigo e se trancou no quarto.
- É. Eu dormi bastante.
- E a menstruação? - E nesse momento Flambarda começou a sentir a dor da cólica.
- Se eu te falar... - Ela segurou a barriga. - Que eu não tava nem sentindo... Você acredita?
- Desculpa, filha! Eu sei como é isso! Deixa eu pegar o Buscopan.
Nenhuma menção do ocorrido na Ana Maria Braga. Parecia um dia normal. Flambarda tomou café com a mãe, lavou a louça, e foi sentir as dores da menstruação lá no quarto, até que ela começa a receber mensagens no celular.
Sofia: Pronto. Ta de volta.
Fabiana: Desculpa, Flam.
Fabiana: A gente pegou pesado.
Fabiana: Perdoa a gente, vai.
Flambarda: Eu que peço desculpas.
Flambarda: Eu realmente precisava dar um tempo pra mim.
Fabiana: E já tá se sentindo melhor?
Flambarda: Um pouco.
Flambarda: Mas eu proavelmente vou ficar meio off.
Fabiana: Por que!?
Flambarda: Pra ajeitar umas paradas, pensar no que eu fiz...
Fabiana: Ah Não!
Fabiana: Vc não vai presa não!
Sofia: Bibi
Sofia: Calma
Sofia: plmdds
Fabiana: Tá...
Sofia: A gente tá aqui, e a gente sabe o que aconteceu. Eu to conversando com uns amigos meus, e eu vou dar um pulo aí na Tijuca mais tarde.
Flambarda: Uai.
Flambarda: Pra que?
Sofia: Vou ali na SDRJ
Fabiana: Vc tá maluca?
Sofia: Vc devia vir junto.
Fabiana: Não perdi nada lá.
Sofia: Cê quer ajudar a Flamgata ou não?
Fabiana: Duh.
Fabiana: Claro que quero.
Sofia: Então a gente tem que aprender como funciona essa coisa.
Flambarda: Aproveita e me ensina yoga porque essa cólica tá foda.
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