segunda-feira, 1 de julho de 2024

Gerundismo

Esses dias eu tava pensando sobre uma teoria. Será que o uso excessivo do gerúndio na comunicação atual não teria algo a ver com traduções e influência da lingua inglesa? Afinal de contas, os caras quase sempre metem uma particula auxiliar com um gerúnido pra fazer as coisas funcionarem. Isso quando não colocam particula auxiliar com o inifinitivo e diz que tá conjugando.


Vou estar cozinhando um ovo aqui de leve

Maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaas como eu sou uma pessoa que preza por uma pesquisa, eu fui verificar se a minha teoria já havia sido estudada por alguém antes. Afinal, pessoas que lidam com linguística muito provavelmente já se debruçaram sobre esse tema e já devem ter enxergado esse padrão há anos-luz atrás, e, para minha surpresa, tem pouco a ver com a língua inglesa. Dá pra dizer que não tem nada a ver? Não, mas certamente dá pra dizer que não é o maior dos fatores, e vamos falar disso agora enquanto cozinhamos um ovo pq esquecemos de descongelar o frango.

O que aconteceu ou ainda está acontecendo? A questão gira em torno da distância que se deseja manter ao alvo da comunicação em busca de polidez. É questionável porquê a adição de um gerúndio geraria esse efeito. Talvez a adição de palavras crie uma sensação de erudição, mas eu contradiria que a sensação de erudição é dada por palavras mais complicadas e menos conhecidas do vocabulário popular. Talvez essa adição gere polidez porque gera distânciamento entre emissore e receptore, esse distânciamento gera polidez devido ao antagonismo com a proximidade que é geralmente associada a intimidade, e a intimidade estaria associada com vulgaridade, seja por causa do romance, ou seja por causa da tolerância que essa intimidade gera.

Podemos questionar também quem é que está tentando criar uma comunicação distante. A princípio essa distância é fruto da comunicação corporativa. Uma comunicação onde talvez se crie até uma relação de subalternidade com quem recebe a mensagem. Geralmente atribuí-se o gerundismo a atendentes de Telemarketing, que hoje (acho que sempre foi) podemos considerar como uma espécie de sub-emprego. É razoável assumir que pessoas que tem esse trabalho não tem por escolha própria, mas sim por necessidade, e que elas sabem que pertecem a uma espécie de "casta baixa", e portanto procuram usar essa comunicação de modo e demonstrar essa distância. Outra possibilidade seria a necessidade de se impessoalizar o trabalho uma vez que e trabalhadore está representando uma instituição, e dessa forma a comunicação precisa parecer a mais impessoal e polida a possível, talvez até para minimizar possíveis riscos jurídicos indesejáveis.

Riscos jurídicos esses que podem aparecer devido a uma assertiva mais imperativa. O gerúndio implica a continuidade de uma ação, seja pelo fato de ser uma ação mais longeva, ou de ser uma ação recorrente. Imagine que você comprou uma geladeira nas Casas Bahia. Essa geladeira tem que chegar a sua casa. É muito mais natural escutar que "a Casas Bahia estará enviando a geladeira" ao invés de "enviaremos a sua geladeira". Ambas denotam comprometimento mas a segunda denota assertividade, no sentido de que "nada vai dar errado com a entrega da sua geladeira". Usar o gerúndio aqui nesse caso é uma espécie de defesa, uma vez que e cliente não tem noção dos processos e dos riscos associados ao transporte de uma geladeira. É possível que a funcionária faça o pedido e a geladeira seja colocada no caminhão, mas que haja extravio(roubo) de carga. O reenvio de um produto após a ocorrência de um desses riscos faz parte do processo logístico, porém a e cliente interessa apenas que o objeto chegue íntegro em sua casa.

Mas isso é ruim?

Depende do que você chama de ruim, pra quem evita problemas de ordem social e/ou jurídica, parece ser uma coisa muito boa. Ninguém quer um processo do nada e todo mundo continua se entendendo. Dá pra dizer até que a linguagem passou por uma simplificação uma vez que agora alguns tempos verbais são expressos de forma mais estruturada além da comunicação ganhar o peso da análise de risco envolvida nos processos. Olhando por essa perspectiva, parece muito bom.

Além disso, podemos assumir que esse tipo de comunicação é muito mais corriqueira uma vez que é menos uma desinência verbal a ser memorizada. Desinências essas que podem ser problemáticas. Tem verbo que nem desinência tem direito. Mas falando em verbo que tem desinência e é utilizado a beça, a gente tem um tempo verbal muito curioso chamado "Futuro do Pretérito"

O Futuro do Pretérito em um tempo verbal muito interessante porque ele assume a adversidade das coisas antes mesmo delas acontecerem. Ao longo desse texto eu usei o futuro do pretério diversas vezes. Esse é o tempo verbal que assume que as coisas podem não se concretizar, e que a nossa compreensão para essa ocorrência já está posta. Se "eu quero 10 pães", eu deixo implícito que eu não me importo com a situação atual apesar de não existir nenhuma regra formal para tal, e de fato não há. É perfeitamente normal responder a assertiva de um desejo com uma negativa indicando que "não tenho 10 pães agora", ou que o desejo não será atendido, mas nós já entendemos isso como um imperativo.

Oras, se o Futuro do Pretérito indica a compreensão da possível adversidade, a gerundização é uma súplica pela compreensão dela. Não é que a Casas Bahia não queira te entregar a geladeira, e sim que ela deseja compreensão da sua parte caso a geladeira não seja entregue no tempo esperado porque há muito mais fatores fora do nosso controle do que sob ele. Por que então existe uma espécie de preconceito ao ponto de estudarmos o "Gerundismo", mas não estudarmos o "Futuro do Preteritismo"?

É Preconceito

A minha afirmação de preconeito é categórica porque o gerundismo é um vício de linguagem que, pela nossa análise, surge a partir de um movimento defensivo. Um movimento defensivo que pede desculpas de antemão caso as coisas não se concretizem como o esperado, que é uma atitude esperada de alguém que já sofre opressão. Esse tipo de linguagem então flui para a linguagem mais corriqueira e passa a ocorrer em todos os lugares, também fora do ambiente corporativo.

Além disso, não só na fala, como também na escrita, as estruturas de opressão se valem de diversos mecanismos para qualificar os discursos. A repetição de termos e estruturas, por exemplo, é muitas vezes encarada como pobreza gramatical ou léxica, e talvez até seja no sentido de que há mais palavras para se designar mais sentido com maior exatidão para fugir justamente da polissemia que é característica intrínseca da comunicação, porém o diálogo não é feito só das palavras, mas também de todo o contexto ao redor delas. Quando você lê um texto escrito, há uma dificuldade pois o contexto é gerado pela própria escrita o que faz com que o próprio contexto esteja sujeito a interpretações distintas, mas isso acontece menos na oralidade, onde o conceito é imposto pelas condições nas quais emissore e receptore estão.

Porém a fala não obedece a escrita. Muito pelo contrário, a escrita em geral obedece a fala. Não é incomum vermos textos com adequações gráficas, gramaticas e léxicas feitas para se adequar a fala dos contextos onde se inserem o público alvo de um discurso, como por exemplo com as histórias do Chico Bento, ou até mesmo o próprio Cebolinha que troca as letras e isso é explicitado na grafia das palavras dos diálogos, a compreensão disso é uma das razões pelas quais algumas pessoas tem receio de dialetos do idioma com os quais já estão acostumadas, e há diversos exemplo de pessoas que transportam a sua fala para a sua escrita. Só que a gente não pode dizer que isso é exatamente um erro.

Dizer que grafias diferentes durante a escrita estão erradas pressupõe a existência de grafias corretas. A gramática normativa vai dizer que essas se encontram em um dicionário, como se ali estivessem as únicas sequências de letras que podem ser aceitas como palavras em um texto. Aceitar esse dicionário como o portador de todas as palavras possíveis, é ignorar que a língua pode ser escrita de diversas formas e que são as pessoas que fazem a língua. Isso não quer dizer que devemos jogar o dicionário fora, mas sim que devemos olhar para ele como a base de dados de uma gramática normativa, como se ele fosse o denominador comum acerca da língua, pelo menos escrita, que utilizamos.

Devemos ou Não Evitar?

Isso é uma escolha pessoal, e em alguns casos não chega nem a ser uma escolha. É a forma com a qual a cultura foi passada e a pessoa foi educada. Se determiandas palavras ou variações dela não são usadas socialmente, é natural que elas caiam em desuso e se tornem nota histórica para tradutores, ou historiadores, uma vez que os textos de um tempo utilizam a linguagem daquele momento.

O que não podemos é ter vergonha de falar dessa forma, nem preconceito com quem o faz. Isso é o que de fato devemos evitar. (Exceto na entrevista de emprego. Quando se está jogando o jogo da opressão, é melhor se comportar bem.)


Fonte

Nenhum comentário:

Postar um comentário