quarta-feira, 31 de maio de 2017

Pensando Sobre Matemática #66 - Dízimas - Parte 2

E assim seguimos nós falando dessa coisa que se estende indefinidamente.


Enquanto nós estamos falando, a dízima continua. O MathJax vai nos ajudar a resolvê-la

Então, eu fiz uma coisa muito feia. Eu assumi que vocês iam acreditar que toda a dízima racional necessariamente é periódica. Não é que não seja, mas é que meu argumento cai por terra se existir uma única dízima não periódica que pode ser escrita como forma de fração. Então hoje eu vou me dedicar basicamente a provar que se uma fração gera uma dízima, essa dízima tem necessariamente que ser periódica.

Então. Como a gente faz isso? Pra falar a verdade eu mesmo não tenho muita noção então eu vou criar um argumento que seja convincente o suficiente pra mim também. Eu tenho uma noção do porque isso acontece, mas eu vou precisar desenvolver isso um pouco melhor pra que a coisa não fique horrenda. Na verdade, utilizando o algoritmo padrão pra divisão que a gente aprende lá na quarta série, a coisa fica até relativamente fácil de se explicar, até porque as dízimas surgem da natureza da notação decimal. No mundo dos racionais você apenas teria frações. a/b=ab Só que no mundo dos inteiros, a divisão podia ser escrita da seguinte forma: Se b divide a, então... a/ba=b.q+r Onde q é o quociente e r é o resto.

No mundo dos inteiros não tem fração, então o que a galera queria fazer era jogar o resto pra 0, só que precisava fazer isso de modo que não agredisse o quociente. O resto já é menor que o divisor, então não dá pra fazer divisão com ele, não dá pra ir além no mundo dos inteiros. A não ser que nós façamos uma transformação no resto. Já que possuímos a notação de fração, que só nos deu uma forma diferente de olhar para as divisoes, podemos fazer alguma brincadeira com ela. Se a gente transformar o resto e depois dividir a gente pode conseguir um algarismo novo, e se tudo der certo a gente chega no 0, caso contrário pelo menos a gente chega em um quociente que faça o resto ser bastante próximo de 0. Só que no mundo dos inteiros, a divisão só era possível se: a>ba/ba=b.q+r O resto, por definição é menor do que o divisor: b>r Então a gente não vai dividir o resto e sim algo superior a ele. Graças a notação de fração a gente pode fazer o seguinte: ab=c.ac.b Isso é particularmente difícil de provar, apesar de ser intuitivamente fácil. Demonstrar relações de equivalência não é tão trivial então aqui eu vou precisar que vocês aceitem isso pra eu poder fazer: r=r1=c.rc=10.r10 Nesse caso estamos supondo que 10.r vai ser maior que b. Se b fosse maior que 10, bastaria utilizarmos a próxima potëncia de 10. Então dividindo esse resto: (10.r)/b10.r=b.q1+r1 E agora nós vamos nos valer do fato que multiplicação e divisão são operações comutativas entre si no mundo dos racionais. 10.r/b=b.q1+r1 r=b.q1+r110 Mas por que estamos fazendo isso? Na verdade estamos nos valendo da notação posicional. Cada algarismo na notação posicional é multiplicado por uma potência de 10. O que nós estamos fazendo aqui é achando os números que estão nas potências negativas. Até porque quando o expoente de um número é negativo ele vira fração. a-b=(1a)b Logo o que acontece é que: 10-1=(110)1=110 E para a notação posicional, utilizando um exemplo: 423.6=4.102+2.101+3.100+6.10-1 Então aquela divisão fica um pouco mais complicada e aparece uma fração nela porque r tem um valor equivalente: a/ba=b.q+r=b.q+b.q1+r110 Só que por evidência, olha o quociente se formando: a=b.(q+q110)+r110 Repara então o que acontece com o 1/2 quando a gente aplica esse raciocínio. 1/21=2.0+1=2.0+2.q1+r110 Pra saber quanto é q1 e r1: (10.r)/b10.r=b.q1+r1 (10.1)/2=10/210=2.5+0 Logo: 1/21=2.0+1=2.0+2.5+010 Resto 0! Olha lá o quociente se formando: a=b.(q+q110)+r110 1=2.(0+510)+010=2.(0+510)+0 1/2=0.5 O que será que acontece então com o 1/3? 1/31=3.0+1=3.0+3.q1+r110 (10.1)/3=10/310=3.3+1 1/31=3.0+1=3.0+3.3+110 1=3.(0+310)+110 Opa, peraí o resto não deu 0 ainda. Vamos pegar esse 1/10 e transformar esse numerador em algo divisível por 3. (10.1)/3=10/310=3.3+1 1=3.(0+310)+10100 = 3.(0+310)+3.3+1100 Vamos colocar em evidência: 3.(0+310)+3.3+1100 = 3.(0+310+3100)+1100 Repare que ele está gerando uma soma infinita. Isso acontece porque o valor do resto em algum momento se repete. A partir desse momento, o ciclo se inicia porque o processo usado para os próximos algarismos continua sendo o mesmo. Na verdade, devido ao fato do resto sempre precisar ser menor que o divisor, a quantidade de valores possíveis para os restos secundários é limitada.

Então vamos voltar a generalização. E isso naturalmente vai gerar uma quantidade de restos e quocientes indefinida que fica mais fácil escrevendo como somatório. a/ba=b.(q+i=1nqi10i)+rn10n Pra fechar a prova, é necessário demonstrar que um mesmo resto secundário sempre gera o mesmo valor para o próximo resto. Mas isso é trivial porque a mesma operação de divisão não pode gerar dois valores diferentes, logo o ciclo se fecha a partir do momento que um resto rj é igual a um resto ri pois a partir desse momento os quocientes irão se repetir formando o período das dízimas feitas por frações.

Ok, isso já é o sufciente. Acho que á consegui provar pra vocês que toda dízima formada por números racionais é certamente periódica.

Por fim, esse argumento ainda pode ser melhorado porque as potências de 10 só vão aparecer bem definidas se o seu divisor for menor que 10. Caso contrário as potências serão de alguma potência de 10, mas isso não influência no resultado final.

Podemos dar esse post por encerrado. A gente continua falando de dízimas na próxima.

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