A anã de cabelos ruivos estava incomodada por estar sentada há tanto tempo, e também por estar ouvindo tantas coisas estranhas e inimagináveis sobre o passado de Karlrock. Ela acabou não se aguentando mais e levantou no momento que o homem ia recomeçar a falar, interrompendo-o.
- Tudo bem... - ela disse, começando a andar de um lado para o outro. - Pode continuar... Só estou esticando as pernas.
Karlrock pigarreou e aproveitou para esticar as pernas e as costas.
- Certo... Então...
"Nós estávamos separados e Serenna não estava nem um pouco contente com a situação. Quando havia alguma missão para o meu esquadrão nós passávamos vários ciclos vermelhos fora, protegendo as estradas ou cidades afastadas. E ela ficava sozinha e inquieta na capital...
Eu não sei o que ela fez, mas em algum momento ela estava tomando um sermão disciplinar no salão dos sargentos e esbarrou com um líder de um esquadrão de campo diferente do meu. E ela reconheceu aquele homem. Era um dos homens que tinha atacado a nossa vila.
É claro que depois disso ela não podia simplesmente esperar quieta o meu retorno e conversar comigo sobre isso. Não, ela foi atrás. Começou a fazer perguntas por aí, invadiu os arquivos para pesquisar sobre o homem e seu esquadrão nos livros. Se meteu em todo tipo de confusão... Mas a bagunça que ela criou foi tamanha que ela acabou desertando e fugindo da capital para evitar ser presa, ou provavelmente pior.
Então na minha seguinte volta para a cidade, eu não encontrei Serenna me esperando no alto dos muros. E sempre que ela sabia que meu esquadrão ia voltar, e ela sempre arranjava um jeito de saber, ela sempre me esperava nos muros do portão. Eu já comecei estranhando dali, portanto fui procurá-la. Depois de não encontrá-la em lugar algum, eu comecei a perguntar para os outros soldados da patrulha da cidade. Eventualmente eu acabei descobrindo que havia acontecido algo muito sério e ela havia desertado e fugido.
Aquilo me deixou extremamente preocupado e desconcertado. Eu não fui capaz de descansar até descobrir o que estava acontecendo. Seguindo os passos de Serenna eu notei que ela havia deixado uma trilha para mim. Páginas arrancadas, relatórios velhos, pessoas que tinham recebido ordens para me contar coisas... Eu fui capaz de encontrar tudo que ela tinha descoberto.
Os homens que atacaram minha vila... Eram homens do exército real. Eles estavam viajando até a fronteira do reino para reforçar as tropas alocadas lá, pois era uma época de risco de guerra com o reino vizinho. E eles tinham permissão para 'coletar' quaisquer recursos necessários das pequenas cidades próximas da fronteira.
Isso quer dizer que os oficiais superiores e o próprio rei ficaram sabendo do que aconteceu com a minha vila, mas eles concederam perdão àqueles homem. Afinal eles tinham permissão para pegar aquilo que eles achassem necessário. Ninguém se importou, eles não foram punidos pelos homens e mulheres inocentes que mataram. Tudo foi varrido para baixo dos panos, desculpas falsas foram dadas, eram tempos de guerra afinal...
Diferente de Serenna, eu fui capaz de manter minha calma. Eu levei aquele assunto aos superiores. Eu tentei fazer com que a verdade fosse exposta e que os culpados fossem punidos. Mas mesmo eu tempo provas, mesmo eu sendo uma testemunha viva do ocorrido, ninguém me levou a sério. Aqueles que concordavam comigo, tinham medo de tomar alguma atitude. E a maioria dizia que eu deveria deixar o passado no passado e parar de reclamar, que não havia nada de errado. Nada de errado...
Eu portanto pensei que se aqueles responsáveis não fariam nada, então eu deveria tomar as medidas necessárias com minhas próprias mãos... Eu encontrei três deles... Não me orgulho disso... Não me orgulho do que fiz, hoje... Mas, naquele dia, eu estava repleto com a certeza de que justiça estava sendo feita... Só mais tarde eu fui entender que o que eu fiz não passava de vingança."
Karlrock apresentava uma expressão dolorida. Ele parou por um momento, fechou os olhos, e fez uma prece em silêncio. Então respirou fundo e prosseguiu.
"Talvez tenham sido os deuses, mas eu fui impedido e capturado por guardas da patrulha antes de matar aqueles homens. Se eu tivesse me tornado um assassino, ainda mais tendo matado soldados e oficiais superiores, eu teria sido executado no mesmo dia. Mas o que eu fiz... Eles... Eles precisavam discutir..."
Lanma fez uma careta confusa e parou de andar. Ela encarou Karlrock e pôs as mãos na cintura.
- O que, exatamente, você fez? - ela perguntou, duramente.
Karlrock respirou profundamente de novo, claramente incomodado com a pergunta.
- A minha intenção... Eu queria que eles sofressem tudo que fizeram as pessoas de minha vila sofrerem... Tudo que eu sofri. A não ser que você queira detalhes grotescos, eu posso resumir e dizer que aqueles três homens não estavam mortos, mas não mais se recuperariam por completo sem o auxílio de magia poderosa.
Lanma balançou a cabeça negativamente e sentou novamente, dessa vez mais próxima de Karlrock.
- Não... Pode deixar os detalhes grotescos de lado. Mas, Karl... Eu não julgo você. No seu lugar, eu teria feito mesmo. E eu teria achado certo.
Karlrock anuiu com um aceno da cabeça.
- Tudo bem, Lanma... Mas eu vou continuar achando que não foi certo. Que não foi justo.
A anã bufou e o homem deu um sorriso cansado.
"E foi assim, minha cara companheira de aventuras... Que eu fui preso. E fiquei preso por muitos dias e muitas noites."
- Você está soando como Phyllander agora... - resmungou a anã.
Karlrock quase esboçou uma risada.
"Como meu crime era muito grave, mas envolvia muitos eventos obscuros e confusos, e também não havia resultado em nenhuma morte, eles me aprisionaram. Com a desculpa de que ainda estavam decidindo minha punição, mas com a intenção óbvia de me deixar lá para apodrecer."
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