sexta-feira, 6 de maio de 2016

Parcimônia Frenética #17 - Aventureiros (Lembrança de uma promessa sob o salgueiro)

"A minha mãe sempre foi um mistério para mim. Ela trabalhava todos os dias o dia inteiro na lavoura, e ainda fazia comida, costurava as minhas roupas, e cuidava de mim. Ela nunca parecia cansada, ela nunca reclamava. Ela sempre tinha um sorriso para mim.

Meu pai era um dos guardas da patrulha da cidade. A cidade era pequena, então nós não tínhamos um governante ou algo do tipo. De tempos em tempos, uma comitiva do rei de Campamarelo vinha buscar parte dos nossos produtos como imposto. Mas o rei Garlan não podia dispor de tropas numa cidade tão afastada. Então a patrulha era um bando de homens locais mal armados que decidiram se unir para proteger suas terras e suas famílias.

Um dia, um grupo de homens bem armados e com armaduras de metal foi visto fazendo acampamento próximo da cidade. Todos ficaram apreensivos. Como eu era uma criança, pouco era dito para mim sobre isso.

Eu só soube que meu pai tinha ido até o acampamento para tentar descobrir alguma coisa quando minha mãe me contou que ele estava morto. Foi o que ela me disse quando eu perguntei sobre ele não ter voltado para casa depois de um dia:

- Karlrock, seu pai está morto.

Simples assim. Eu não sabia o que sentir, nem o que fazer. Só fui chorar horas depois quando encontrei uma menina chamada Serenna que morava na fazenda ao lado e era uma das poucas crianças da cidade que eu considerava minha amiga. Eu contei para ela como se comentasse sobre o clima, então ela me abraçou e chorou. Daí eu chorei também."

A expressão de Karlrock era impassível. Se algum sentimento acompanhava aquela memória, Lanma era incapaz de notar. Talvez por isso ela não conseguisse sequer imaginar o pequeno Karlrock da história chorando nos braços de sua amiga.

"Dois dias depois, os homens invadiram a cidade. Eles vinham com cavalos, machados, espadas, arcos, e armaduras de metal... A patrulha da cidade foi inútil. Um bando de homens sem treinamento com foices, forcados, e pedaços de madeira crua como clavas. Sem nenhum tipo de armadura. Foi um massacre.

As pessoas que sobraram vivas da investida inicial começaram a fugir. Minha mãe, que estava escondida em casa comigo até então, mandou que eu corresse para a casa da Serenna e fugisse com ela e sua família. E então ela pegou o machado que ficava ao lado da porta e saiu de casa.

Ela marchou até os homens que invadiam a cidade e brandiu o machado com toda sua força quando um deles cavalgou em sua direção. Ela acertou a pata dianteira do cavalo, que caiu e derrubou o homem que o montava. A última vez que a vi ela estava cravando a lâmina do machado na cabeça do homem caído.

Eu fugi. Fui até a casa de Serenna, mas não havia ninguém lá. Corri para o campo, para me esconder entre o trigo alto, mas alguns dos invasores me viu e cavalgaram na minha direção. O pai da Serenna surgiu do nada e acertou a cabeça de um deles com uma pedra que ele arremessou. Foi então que alguém pegou minha mão e começou a puxar. E fui puxado, correndo sem parar por uma quantidade de tempo que eu não fazia ideia que era capaz de correr.

Só quando paramos que eu vi que quem estava segurando minha mão era a própria Serenna. Atrás de nós ecoavam gritos da nossa cidade que começava a queimar. E a nossa frente a planície extensa ao pôr do sol. A única coisa que vimos que chamava nossa atenção foi essa colina aqui, com esse salgueiro. E então viemos para cá.

Quando chegamos aqui finalmente paramos para descansar. Sentamos no chão e observamos nossa cidade, nossa vida, queimando ao longe. E eu lembrei da minha mãe, saindo de casa com o machado nas mãos. A coragem dela ao enfrentar aqueles bandidos. E eu me orgulhei dela.

Então eu pensei: se houvessem mais homens no exército de Campamarelo, talvez cidades afastadas e pequenas como a minha pudessem receber um contingente. Mesmo um número bem pequeno, para treinar uma milícia local e planejar defesas. E foi então que eu decidi e prometi para Serenna que eu me alistaria no exército e serviria ao rei Garlan para impedir que aquilo acontecesse com mais alguém."

Imediatamente a expressão de Lanma se modificou, abalada pelo choque. Aquilo não estava certo, Karlrock era um guerreiro divino, servo da Justiça. E não um soldado do rei.

- Calma, calma, calma! - disse ela ao se recuperar se sua careta boquiaberta de sobrancelhas erguidas. - Você não tinha dito que foi aqui que decidiu servir a Justiça...? O que tem a ver o exército de Campamarelo com isso?!

Karlrock acenou com a cabeça, com os olhos cerrados e expressão calma.

- A minha intenção desde quando jovem era servir a Justiça, sim. E eu acreditava que me juntar ao exército de Campamarelo era de fato o meio mais eficiente para esse fim. Porém eu não sabia ainda o que de fato era a Justiça.

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