Então... Aqui está o epílogo que você não queria, para o conto que você não leu.
***
A mãe de Cherry olhava apreensiva enquanto as pessoas entravam na casa.
"Vamos, Laura...", disse alguém, mas ela sequer notou.
Laura ainda estava do lado de fora da casa depois que a última pessoa entrou. Ela aproveitava a brisa fria da noite para tentar se acalmar. Com todas as forças tentava impedir que os olhos se enchessem d'água, pois sabia que se começasse a chorar teria uma crise de nervos e seria incapaz de seguir com o que devia ser feito naquela noite.
Ela olhou para o céu e só viu nuvens grandes e cinzas. Enquanto tentava, sem sucesso, achar uma estrela para tentar tirar sua mente da espiral descendente de desespero em que se encontrava foi surpreendida por uma voz grave, rouca, e silenciosa atrás de si.
"Estamos começando, Laura... Você tem que vir", disse o velho alto e magro, de cabelos grisalhos mas aparência forte parado na porta.
O seu tom era calmo e autoritário. O que devia ser feito, devia ser feito. Era simples assim. O velho preferia não perder tempo com coisas que não podia mudar, e não tinha tempo nem paciência para lidar com as emoções dela.
"Tudo bem. Eu estou indo."
Laura respirou fundo, deixando o ar frio encher seus pulmões, e se virou para entrar na casa. Assim que o velho viu que ela estava indo, entrou na escuridão da casa e sumiu, deixando pra trás somente o barulho de seus passos decididos.
Ela navegou pela escuridão da casa com calma, ainda tentando atrasar o máximo possível sua chegada na reunião, como se isso pudesse de alguma forma mudar algo. Mas não podia. O cheiro levemente adocicado que subia pelas escadas que levavam ao porão eram a maior prova daquilo.
Quando chegou no alto das escadas que desciam para o salão iluminado, viu que uma de suas vizinhas esperava nos degraus no meio do caminho.
"Laura... Eu... Eu nem imagino o que você esteja sentindo... Mas... Você sabe... Se pudesse ser diferente... Se..."
"Não pode.", Laura respondeu rispidamente e seguiu descendo os degraus, passando pela outra sem nem olhá-la.
Decidiu que tomar a atitude do velho era o melhor que podia fazer naquele momento, nada que ninguém pudesse dizer poderia mudar alguma coisa. Ela tinha que participar do ritual.
O salão subterrâneo era amplo e iluminada por dezenas de tochas e velas. Estátuas cujas sombras brincavam nas paredes acompanhando as luzes bruxuleantes rodeavam o lugar. Corpos humanos com cabeças de gatos, cachorros, crocodilos... Ao fundo um pequeno elevado com um púlpito ao centro. E no meio do salão uma enorme e comprida mesa de madeira, com muito lugares, a maioria já ocupado.
O velho estava subindo no elevado e se dirigiu para trás do púlpito, onde depositou um pesado livro de aparência ancestral. Laura seguiu para um dos lugares vagos a mesa, seguida pela sua vizinha que descera as escadas apressadamente atrás de si.
Então o velho começou a ler o livro em voz alta, sendo às vezes respondido em uníssono pelos presentes. Mas Laura não prestava atenção nenhuma das palavras que ecoavam pelo salão. Seus olhos estavam fixados, aterrorizados, no prato de metal que estava a sua frente. Em cima do prato, um pedaço suculento de carne.
Ela encarou a carne e teve que se controlar para não vomitar. Começou a pensar em como poderia fazer aquilo. Como poderia fazer aquilo sem entrar em pânico. Sua respiração começou a ficar mais e mais rasa e rápida. Não conseguia tirar os olhos do pedaço de carne no prato, o pedaço de carne ainda sangrando.
Mas quando pensou que não seria mais capaz de aguentar e soltaria um grito, sentiu as mãos enrugadas e calejadas do velho em seus ombros. E então... Se acalmou. Ou ao menos o tanto quanto era possível naquela situação.
O velho apertou levemente seus ombros e então seguiu o caminho para o último lugar vago na cabeceira da mesa.
"Mais uma vez os sinais foram recebidos por um oráculo que se tornou sacrifício. Mais uma vez nos reunimos para garantir que o ritual seja realizado.", disse o velho.
E então ele tocou o sangue que escorria do pedaço de carne em seu prato com a ponta do indicador direito, e o levou então até a ponta da língua.